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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Uma defesa à magia I

Há quem pense que a magia faz parte do mundo das crianças quando elas fantasiam; em seus contos de fadas; nas lendas e histórias sobrenaturais que ouvem por aí. Magia é quase uma piada para os adultos que deixaram para trás a fantasia e o imaginário infantil. Se uma criança explica um acontecimento, como o surgimento do irmãozinho porque a mãe comeu demais ou que a chuva acontece porque tem alguém que faz chover, perante um olhar racional é inconcebível, pois sabemos que o espermatozoide quando encontra o óvulo origina um embrião e existe o ciclo da chuva renovando o fenômeno. Estes acontecimentos na explicação da criança não são precisamente mágicos para ela, possuem seu sentido lógico. Já para o adulto não poderiam acontecer senão pela magia, pois é ilógico; eles conhecem a verdade sobre esses acontecimentos. A criança que tenta explicar o mundo por correlações estranhas a do adulto, que fere a verdade causal dos fenômenos é perdoada pela pouca idade e pouca experiência. Está aprendendo. É no período inicial da vida que recursos fantasiosos são aceitáveis, para continuar a falar abertamente dos elementos mágicos compenetrados na realidade e afirmar que eles existem, deve haver uma escolha cuidadosa em como representar a magia.

A literatura fantasiosa é um espaço reservado aqueles que pretendem viver intensamente o inconcebível. A magia ora acontece no mundo tal como o conhecemos ora em terras inventadas, fantasiadas, imaginadas, criadas por alguém. O mundo de Harry Potter é o exemplo mais claro da magia dividindo terreno com o que é trouxa: varinhas, feitiços, poções, hipogrifos, sereias, fantasmas, vassouras voadoras, bruxos, duendes, fênix, elfos, lobisomens; e outra faceta da magia literária é O Senhor dos Aneis, com tantos elementos fantásticos quanto os de Harry Potter (e com elfos mais altivos e ágeis). A magia aparece em contextos que só ela é capaz de dar sentido ao que acontece, que nada mais racional consegue explicar os fenômenos. Os dragões só existem em mundos permeados por magia: Harry Potter, O Senhor dos Aneis, Eragon, As Crônicas de Fogo e Gelo, Deltora Quest. Os dragões, segundo a ciência, não seriam capazes de existir como os imaginamos: cuspindo fogo e voando, seria fisicamente impossível. Embora nas fantasias eles tenham um lugar especial e sua existência garantida. 

Ver link: <https://www.youtube.com/watch?v=eSGtN70TcJg>.  Nerdologia 10: DRAGÃO ARROTA FOGO!

A sublimação dos impulsos sexuais na criança, segundo Freud, acontece quando a realidade moral se contrapõe à fantasia libidinal. A fantasia é ameaçada pelo plano da realidade, simultaneamente, a imaginação, mesmo quando inofensiva, pois não é produtiva para a sociedade. Tudo o que não obedece as normas reais deve ser esquecido; as energias devem ser inteiramente voltadas para o que existe de fato, para o palpável, visível, não o extraordinário, o absurdo, o que inexiste. 

O cinema é capaz de realizar a fantasia e concretizá-la no telão, mas já ouvi adultos que não se satisfazem com essas bobagens.  A magia é coisa de criança, então se você gosta de Harry Potter, ou é uma eterna criança ou amadurecerá algum dia. É uma distorção da realidade. Se não é uma animação Dream Works/Pixar ou um desenho infantil da Disney, ou seja, para o público infantil, a magia é uma perda de tempo. O cinema traz a magia não apenas com classificação indicativa livre, mas para 10, 12, 14, 16 e 18 anos. É como se a magia fosse um processo, uma fase da vida, logo ela deve ser esquecida, dar espaço ao real, e prontamente substituímos a magia por algo mais importante, como o debate político. Não se faz decisões com magia, mas com pessoas que decidem por meios não-mágicos. Existe um grande público dos super-herois, dos personagens da Marvel e da DC. Não ouso enquadrá-los como uma magia infantil e repudiada por não fazer referência diretamente à magia, diferente de algumas animações e literaturas infantojuvenis já citadas; os super-herois tem explicações científicas para serem o que são. A kriptonita não é um material com propriedades mágicas, é um mineral e deve ser avaliada pela geologia, mais precisamente pela mineralogia, mesmo que seja fictício e tenhamos uma impressão extraordinária sobre o que vemos; o adamantium, por sua vez, é uma liga metálica e suas propriedades podem ser questionadas pela ciência.


Os super-herois e seus contextos, por mais que exista resquícios de elementos mágicos, impossíveis, irracionais, são apresentados segundo explicações reais e com inspiração na ciência; eles desafiam a física (como o Super-Homem, o Flash), a biologia (o Aquaman) etc. Existe uma diferença clara entre a ciência e a magia, entre o explicável e o inexplicável. Enquanto os superpoderes se explicam com ciência (ou são falseados por ela), a magia possui uma explicação tautológica: "a magia aconteceu porque é magia". Nada explica a magia e nada pode corrigir a magia. E falseá-la pela falta de rigor científico não é válido, pois e a magia não se propõe a ser científica. E no fim das contas chegamos a conclusão que magia não é ciência, o que explica parcialmente porque algumas pessoas tem um certo desgosto pelas explicações mágicas.

Qual a relevância de ter um vasto conhecimento sobre criaturas mágicas, preparação de poções, feitiços, pedras mágicas, encantamentos, histórias sobre coisas que não existem? Game of Thrones deve ser uma série tolerada pelos esquemas políticos densos; até os dragões de Daenerys, quando entram neste jogo podem ser toleráveis se existem situações que poderiam ser reais: orgias, decaptações, batalhas, incestos, tratados diplomáticos, assassinatos, traições. Os dothrakis, (na série, pelo menos), são um povo selvagem que não seria impossível de existir, já os dragões são questionáveis; se Daenerys fosse princesa dos dinossauros a história teria um outro valor e não seria mais mágica, mas um evento excepcional no plano histórico, provavelmente durante a extinção dos répteis gigantes, o que explicaria os poucos ovos que ela carrega.
 
Nos manuais de Duengeons & Dragons, os elfos são humanos de orelhas pontudas com uma ótima destreza e beleza sobrenatural. Os anões são baixinhos, corpulentos e fortes (seguindo o legado de Tolkien). A fisionomia destas duas raças não difere tanto dos seres humanos, embora existam explicações mágicas, principalmente para os elfos, sobre a longevidade (exceto se sofrem uma ferida letal ou adoecem), a visão mais aguçada, percepção e sentidos mais apurados, imunidade a certos tipos de magia. Eles possuem sua própria cultura e rituais característicos. Arquiteturas e artes diferentes. A linguagem e escrita são tão singulares quanto qualquer língua existente. Qualquer evento mágico tem como resposta a magia, que tende a ser recusado.

Impressionante é pensar que alguém pare e se dê ao trabalho de criar uma cultura que não existe e que não ajuda a entender o real. Tolkien, conhecido popularmente como criador de  O Senhor dos Aneis, criou uma mitologia, diversos idiomas (entre eles o élfico e o anão), uma geografia para sua Terra Média. Aqui começa minha primeira defesa à magia: ela é uma outra forma de pensar o real. Nem Tolkien ou Rowling fazem coisas sem sentido. Ao utilizarem a magia como produtora das coisas eles dão um toque especial ao que existe no mundo. Quando Tolkien se dedica a criar idiomas para suas histórias, ele utiliza idiomas que já existem, e isso só é possível porque ele é um filólogo habilidoso. A geografia da Terra Média é constituída de montanhas, planícies, vales, depressões, florestas, lagos. Estão dispostos criativamente e com dimensões extrapoladas. A cultura élfica ou anã possuem traços de culturas que existem ou já existiram na história da humanidade, como a proximidade com a natureza pelos elfos e a superação dela pelos anões, que preferem as rochas, a solidez e o planejamento arquitetônico, são, em outras palavras, urbanos. A magia é tão natural quanto a ciência nesses casos.



 Acima, a escrita élfica. Abaixo, o conhecido inglês.


 Em Harry Potter, os feitiços são conjurados em latim; a história tem semelhanças com a época do nazismo: a denominação sangue bom/sangue ruim, Voldemort como um líder fanático poderoso que dá início a tempos de guerra, por exemplo; o castelo de Hogwarts é um enorme liceu com uma disciplina rigorosa, cujo sistema de ensino é constituído de aulas expositivas, avaliações e um currículo para formar o bruxo ou bruxa, embora eles não tenham Antropologia, Matemática, Química, Botânica ou Biologia, o Estudo dos Trouxas, a Aritmância, Poções, Herbologia e Trato das Criaturas Mágicas são equivalentes, e parabenizo as aulas de Adivinhação, a afronta determinista ao futuro imprevisível e inexplicável por formas normais; a capacidade de previsão da magia está além de qualquer Estatística que conhecemos. História continua sendo História, só que História da Magia. Outras explicações são curiosas, quando não sabemos com plena certeza sobre o que acontece depois da morte, existem fantasmas por Hogwarts, e estão lá devido ao medo que as pessoas têm da morte, podendo escolher continuar a vida numa forma incorpórea. A magia possibilita uma articulação mais flexível entre as ideias e cria possibilidades impossíveis.

Pré-requisito para o estudo de Runas em Hogwarts

A magia tem um funcionamento próprio que desgasta o pensamento racional. A magia é lógica e possui características próprias, compreendidas mais pelo irracional do que pela razão. Pensar a magia é um exercício simples de criar o desconhecido. Talvez não seja desconhecido para quem cria, apenas novo, mas para quem vê um hobbit, existe algo estranho em pés grandes e peludos daquele jeito. E há algumas linhas já não falo de fantasias infantis, mas de adultos que fantasiam e pensam magicamente. Não só as explicações de crianças de 5 anos sobre as coisas que veem podem ser fantásticas (dotadas de propriedades mágicas) como as explicações de adultos, como explicitado, são igualmente fantásticas.

A magia, hoje em dia, não é ruim ou dotada de propriedades más, apenas excêntrica e duvidosa. Já não acreditamos em magia, existe outra proposta de explicar como as coisas são, de onde vêm, para que servem. As ciências e as religiões são as soberanas na arte de ensinar o que a magia também ensinava, sendo que a conotação de magia que proponho é o pensamento impensável; a explicação mágica é aquela que ninguém ousaria anunciar publicamente, a não ser que quisesse sofrer deboche. A fantasia faz parte da infância, mas é preocupante se ela persiste por este caminho; as explicações mágicas das coisas são feitas por crianças, loucos ou ignorantes, nem os idosos ou anciões se utilizam da magia e repetem um Gandalf ou um Dumbledore, mas possuem uma religião ou uma ciência rigorosa, senão os dois. É difícil encontrar idosos que sustentem um argumento sobre a magia, ela não explica nada, não mais. 

turtle[1] 
JEWEL, Ellen. The art of patience (Tortoise of Burden). Sem ano.
A magia está na infância e na literatura infantojuvenil, primeiramente,só depois vem ganhar campo nos corações de criança de alguns adultos; e antes de ser tudo isto, a magia compactuava com as primeiras religiões e é rejeitada pela ciência, sendo massacrada por sua soberania. Pensar a magia não é tanto um problema quanto pensar magicamente, as coisas tem um porque de como acontece. Ser mágico é ser deslocado; nada justifica a magia senão ela mesma.

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