Quando o virtual torna-se real
Antes de mais nada, virtualidade é uma possibilidade de
realidade e pode ser tão real quanto a realidade concreta, se é que e podemos
chamá-la assim. O Digimundo é idêntico ao mundo real: é uma criação do pai de
Jenrya e seus colegas baseado no conhecimento que possuem sobre seu mundo real,
transportados em dados para compor um mundo virtual. Não é de se espantar que
haja tantos paralelos entre os Digimundo e a Terra.
A
virtualidade, entretanto, é comumente concebida como uma ilusão, uma estada
temporária onde a consciência sente estar sem estar lá de fato. Poderíamos
dizer que é uma concepção muito concreta do mundo, muito enraizada e
inflexível, ao menos para os adultos. Se o Digimundo não é real, como são
muitos jogos, os Digimons também não podem ser reais. São dotados de uma consciência
artificial, são inteligências artificiais, estão previamente programadas com
comandos que permitem aprender sobre o mundo. Ora, nosso cérebro não é
pré-programado por uma genética? O que nos torna tão diferentes? Os humanos
temem os Digimons, evitam-nos, parecem perigosas.
Possuindo
uma consciência parecida com a consciência humana, eles não deveriam ser
reconhecidos dentro da ética dos relacionamentos? Como podemos saber que existe
uma consciência nos Digimons, afinal? Talvez não tenham, são apenas dados. Como
sabemos que possuímos consciência? Sabemos porque o que conhecemos é nossa
consciência, podemos concluir, como faz Daniel C. Dennett, que não conhecemos
nosso próprio corpo, mas aquilo que a consciência afirma ser nosso corpo. Não
possuímos dúvidas de que temos consciência, pois nos reconhecemos como sendo
aquilo pensamos.
Como
reconhecemos outras consciências? Provavelmente porque são parecidas com a
nossa. De onde vem essa exclusão do s Digimons? Por que é tão difícil
aceitá-los como portadores de um livre arbítrio sendo que são tão conscientes
como nós, aliás, conscientes como nós, pois a modelagem de suas consciências
programadas para interagirem com as crianças, por esse motivo (e isto é
explicado no anime) os Digimons se dão bem com as crianças.
Ruki é única que demora a reconhecer Renamon como um sujeito
consciente, antes era apenas um objeto feito de dados, possuía utilidade,
cobria necessidades, e não demora a Ruki perceber que Renamon é sua amiga, sua
parceira. Concebendo o amor que as crianças possuem ao Digimons, elas amam a si
mesmas, ao mesmo tempo que amam algo que é diferente delas e possui uma
organização própria e autônoma à consciência das crianças, podendo ser
caracterizada como a instância inconsciente, cheia de vida, que se comunica com
a verdadeira consciência ou simplesmente uma consciência verdadeira, ideias que
se originaram de pessoas com ideias.
Os Digimons
não são apenas o inconsciente pessoal, são arquétipos que vêm do inconsciente
coletivo, do Digimundo. A virtualidade, esse mundo possível, é um mundo muito
próximo do nosso, com diferenças que logo vão sendo ressignificadas e
aproximadas às imagens do inconsciente pessoal, que trazem não apenas
experiência e formas de resolver os conflitos internos, mas é singular em sua
generalidade a partir do momento que o coletivo age no pessoal. O encontro de
mundos gera estranhamento, mas é essa catástrofe que organiza e recompõe as
peças fora de seu lugar.
Para o
virtual ser real, ele precisa ser compreendido dentro de suas próprias regras.
A interação entre os mundos clama por alteridade. Sem reconhecimento não há
conhecimento.
Outra
discussão mais ampla seria: devemos conceder liberdade às criações humanas que
possuem algum tipo de consciência, como as inteligências artificiais. Ficou
claro para todos no anime que os Digimons deveriam ser livres a sua maneira sem
causar danos ao mundo real (embora eles retornem ao Digimundo, no final).
Mizuno ao
responder a pergunta de Takato sobre os digignomos serem vivos responde – Por que se importar se são vivos ou não? Até
a Terra pode ser considerada algo vivo, vocês sabem, é só pensar nela como um
ecossistema. Se uma criatura que está nela é um ser vivo ou não para esse
sistema isso não importa, não é verdade?
A discussão
sobre consciência alcança horizontes filosóficos impressionantes e que não
devemos ter medo de apresentar para as crianças. As células podem não ser
conscientes, são autômatos, diria Dennett, elas formam tecidos, que por sua vez
formam órgãos, depois sistemas. As células se complexificam em sistemas que
permitem a vida, e que poderíamos considerar sem vida, já que não faz diferença
pensar se elas possuem ou não alguma consciência. Dennett nos faz pensar se
existe consciência num braço decepado do corpo, afinal de contas, ele é formado
pelas mesmas células que contribuem para a formação da nossa consciência, ou
ainda, células que proporcionam a vida. Mas reservamos isso para nossos
neurônios e o sistema nervoso central: se tem que haver consciência é graças a
ele, segundo o balanço que Dennett faz sobre seus autores.
A Terra
poderia possuir sua própria consciência? Uma mente? Ou ainda: realmente importa
pensar nessas proporções se ela faz parte de um sistema solar e as galáxias são
consequências de formações de milhões de estrela? Toda a formação do universo
convergiria para uma única consciência ou mente? Poderíamos conceber mais
mentes num universo?
Seriam
perguntas interessantes para as próprias crianças responderem e se posicionarem
eticamente: os animais possuem uma mente? Por que amo meu cachorro se ele é
diferente de mim? Por que me sensibilizo ou não quando um animalzinho morre?
Por que cortamos as árvores sem piedade? Será que o planeta sente o que
fazemos? Se somos um sistema organizado, por que os seres humanos parecem tão
independentes do resto do planeta? Por que os seres humanos submetem o planeta
a ser uma fonte de recursos finita?
De forma
mais simples: por que ignoramos algumas pessoas? Será que as outras pessoas não
sentem algo como nós sentimos? Será que algumas pessoas não são parecidas
conosco? O que de tão diferente entre mim e as outras pessoas? Elas ficam
tristes? Elas gostam quando as elogiam? Elas preferem que as chamem pelo nome
ou pelo apelido que eu inventei? Elas gostam de ser quem são? Elas gostariam de
ser como eu sou? Eu gostaria de ser como elas são? Será que eu conheço as
outras pessoas tão bem? Eu sou capaz de alcançar a consciência das outras
pessoas?
Impmon: o personagem negro
Impmon carrega em si os complexos
das raças e etnias negras, bem como a imago do negro no branco. Podemos dizer
que Impmon é a maior caricatura do negro na animação, cujo processo de
individuação é controverso pela leitura da psicologia analítica associada às
questões étnico-raciais.
A leitura que faço deste
personagem em muito se assemelha com o que Frantz Fanon escreve sobre o negro
em seu livro Pele Negra, Máscaras Brancas.
Primeiramente, os arquétipos montados por Jung, segundo Fanon, retratam
aspectos negativos no inconsciente, são valores inferiores, deve-se
compreendê-los para descartá-los.
Adicionar legenda |
Impmon é a imagem do Malandro,
também é uma criança, dois estereótipos muito fortes no negro. Ele é o rapper, o enganador, o oportunista. Ele
também possui pouca escolarização e não é tão inteligente, portanto, conversam
com ele como se fosse uma criança, o que realça o complexo infantil.
Ai e Makoto são seus parceiros,
consciências brancas e em conflito. Impmon deseja ser parte do mundo de Ai e
Mako, ele é o inconsciente que quer confluir à consciência. Pela primeira vez,
Impmon é o arquétipo que foge. Ele é um material do inconsciente coletivo que
não pode mostrar-se como tal, ele é reprimido e não pode se manifestar como
quer.
Sua agressividade vem de querer
ser reconhecido, mas ser desprezado entre os Digimons e entre os humanos.
Quando ele está no mundo humano, deve fazer escolhas para ser humano, é o conteúdo
inconsciente que se submete aos moldes da consciência branca, que ao invés de
gerar o conflito, se rompe e se corrompe ao contato com a cultura branca; por
esses traumas, retorna ao mundo Digimon com marcas de dor, mas percebe que não
pode mais sofrer, e nenhum de seus semelhantes pode mais sofrer, embora todos
se encaminhem para serem parceiros de seus treinadores.
Todos os outros Digimons são
reconhecidos e incorporados no pensamento dos parceiros, são aceitos, só Impmon
que permanece à deriva por uma recusa da consciência que parece dizer “não é disso que precisamos aqui”. Assim
surge sua agressividade, da incompreensão e da estigmatização.
Os negros são a encarnação do
Feio e do Mal, também são os Demônios, e sua evolução – Belzebumon – carrega a
imagem do demônio. A arma que ele carrega é um símbolo fálico de poder, e não é
incomum que o negro tenha sua representação genital demasiadamente acentuada
nas sociedades brancas. A moto não é apenas velocidade, é forma mais eficaz de
não se prender a um lugar, é a fuga automática da realidade, é um sentimento de
não pertencimento a lugar, uma solidão de percorrer as terras sem nenhuma ser
sua pátria. Depois de conhecer o mundo branco, o negro não retorna a sua
pátria, e quando retorna, possui sua negritude branqueada. Agora não é mais
negro. Também não é branco. Não pertence mais a lugar nenhum, sempre há uma
parte dele que não se encaixa em lugar algum. Uma dessas partes será estranha,
incognoscível, recusada; então ele torna-se sozinho.
Por muito tempo Impmon fica sem
parceiros, as imagens inconscientes que ele traz não se tornam conscientes,
nenhuma delas. O que acontece é a aceitação de Impmon ao mundo branco. O
arquétipo negro se branqueia, e somente assim firma-se no consciente. As representações
coletivas do negro perdem espaço nas consciências alienadas que propõe a
maldade e negatividade naquilo que é negro. O que é a sombra senão aquilo que
temos medo de mostrar às outras pessoas? Se o negro possui arquétipos negros,
seria sua sombra branca? Não parece uma concepção válida, parece dicotômica
demais, e separa a possibilidade de interação entre as civilizações brancas e
civilizações negras.
O que não deveria ser permitido é
a supremacia da consciência branca sobre a consciência negra, ou ainda, a
preferência do inconsciente branco sobre o inconsciente negro. Não existe
identidade negra no inconsciente que possa se manifestar sem significar
perturbações na psique. Para Fanon, existe um combate do preto à própria
imagem.
Fanon faz a defesa a uma confusão
que existe entre o instinto, que pressupõe imagens inconscientes universais, e
o hábito, que se dá no plano material e não pertence, necessariamente, ao
inconsciente. A construção dos arquétipos negros, para Fanon, são um erro
crasso de análise, na verdade, são hábitos culturais confundidos com instintos
da espécie. Se é instinto, pertence à natureza do homem, com isso, justificamos
os atributos negativos e o trauma previsível que causa a imago do negro. Porém,
enquanto hábito, o negro é pervertido e desqualificado por uma visão errante,
por uma perspectiva etnocentrista a cultura negra é levada a desaparecer do
inconsciente.
Impmon, conciliado com as
consciências brancas de seus parceiros e o aspecto infantil ao qual o
inconsciente deve se submeter, adquire asas negras na forma de Belzebumon e uma
arma de brinquedo. Aqui ele já se sente livre, sabendo que é negro, mas
acolhido pelos brancos, que provam isto na entrega da arma-falo. Em outras
palavras, presenteiam-no com um símbolo que já pertence a um mito do branco
sobre o negro – seu aspecto genital, e ele acolhe este símbolo com honras. As asas substituem a moto: cessa a fuga,
começa a liberdade e a ascensão.
A individuação de Impmon seria
para Fanon um processo controverso, visto que ele não é reconhecido sem ter que
submeter-se a uma cultura para ser reconhecido. Ele deve negar sua identidade e
adequá-la a uma consciência que não gera apenas conflito, gera negação de si,
dúvida sobre si mesmo, uma confusão entre os símbolos que lhe parecem sinceros
e aqueles que lhe dizem que são o caminho correto.
Impmon pode traduzir-se na
conversão do material inconsciente indesejado, embora necessário por fazer
parte do inconsciente coletivo, para uma imagem mais tranquila de ser recebida
pelo consciente que nega suas raízes negras. O inconsciente que deveria chocar
o consciente, é chocado, despedaçado; não tornando-se consciente, é
substituído, permanecendo inconsciente, há de desaparecer, já que os arquétipos
são formados a partir de imagens contidas no mundo concreto das ações; se os
arquétipos negros não são mais necessários para preparar o indivíduo para o
mundo no qual atuará, se suas ações podem depender de outras imagens psíquicas,
logo a frequência dessas imagens negra não terá espaço significativo na psique,
será sempre um trauma e um conflito, nada mais que isso. Se elas podem ser
substituídas por imagens com uma representação mais fiel ao mundo das
atividades concretas, assim ela será reconsiderada.
Não sabemos se as imagens do
inconsciente coletivo podem desaparecer, e somos levados a crer que elas se
acumulam com o tempo. Devemos também crer na capacidade produtiva e reprodutiva
da psique ao lidar com os símbolos. Desta forma, os arquétipos do negro
poderiam ser (re)adequados se fosse o caso, sem contar que as culturas são
capazes de modificar o viés científico das ciências e nunca são estáticas, o
que inevitavelmente provocaria transformações nos símbolos do inconsciente
coletivo. Aparentemente, como Jung sugere em suas pesquisas sobre psicologia
das religiões, os símbolos não desaparecem do inconsciente, assumem novas
formas, são preenchidos com outros significados, podem variar os mitos em que
aparecem; possuem uma mobilidade possível, embora mais ou menos previsível.
Isto, por si só, é uma grande esperança para o negro e culturas africanas, bem
como a concepção das culturas que negam o negro e sua cultura: é possível a
transformação da imago do negro, pensando desta forma.
Outra questão que o arquétipo de
Impmon, sugerido como um arquétipo social, para não desagradar Fanon (hábito,
não instinto), é se temos crianças negras assistindo este anime. O processo de
identificação não precisa acontecer com Impmon, mas poderia acontecer com
qualquer outro personagem branco, e na tentativa de pertencer ao mundo branco
despertam o arquétipo de Impmon, e sofrem um processo semelhante em suas
vivências: manter uma máscara (persona) branca cobrindo a pele (sombra) negra.
O anime é originalmente japonês, portanto, voltado para as crianças do japonês,
imagino, onde devem existir pouquíssimas crianças negras, onde deve ser incomum
a presença do negro. A simbologia que se faz presente no anime é a simbologia
de sua própria cultura, algo bem compreensível; quando se exporta essas imagens
culturais para a américa latina, por exemplo, devemos revisitar elementos
concentuais para a formação de identidade de um povo.
A globalização traz uma
hipersaturação simbólica às mais diversas culturas, chegando a dificultar o
reconhecimento dos próprios símbolos. A frequência com que uma imagem aparece
na TV é significativa para ressignificar símbolos locais, levando à
desestruturação, colapso e desaparecimento do regime simbólico de culturas
menores, dominadas, desconhecidas, sem tanta influência ou reconhecimento global.
Digimon Tamers não é mais assistido,
mas pode-se considerar que foi um anime impactante nos anos 90 para crianças
que assistiam regularmente o anime, bem como as outras edições de Digimon. E há
uma diversidade simbólica enorme na TV, com os personagens, os diferentes
arquétipos, as variadas situações que são sugeridas, as formas de resolver os
conflitos, as experiências vividas, e as situações têm seus sentidos ampliados
e podem até tornar-se confusos e contraditórios.
Conclusão
Podemos
perceber que os personagens, tanto de Digimon quanto de outras animações,
desenhos, animes e espetáculos cinematográficos, podem sugerir arquétipos que
fazem referência a uma cultura específica e/ou a um inconsciente coletivo. Não
é nenhuma surpresa que haja identificação entre os espectadores (neste caso
crianças, principalmente) e os personagens, que passariam a funcionar como
arquétipos na resolução dos conflitos externos e internos da criança, assim
como acontece quando a criança elege um conto de fadas de sua preferência.
Imagino que o conteúdo televisivo possa ter a mesma função dos contos de fada.
A narrativa
do anime pode servir de pano de fundo para uma realidade que está sendo
vivenciada, e nela possuem representações simbólicas. A própria relação entre
pais e filhos no anime é ressignificada para contribuir com uma atitude
autônoma da criança, e a identificação contribui para buscar essa autonomia,
que em todo caso, depende da contribuição de seus educadores para a formação
dessa autonomia e noções de liberdade.
Aproximação
com o animus ou a anima é extremamente ressaltada, salienta como os personagens
meninos lidam com sua parte feminina e as meninas com sua parte masculina, e o
pior cenário é quando os meninos devem adorar os símbolos masculinos e as meninas
resignarem-se com a feminilidade.
A relação
simbólica entre domadores e Digimons é salientada na reciprocidade, não numa
objetificação, o que implica, se bem trabalhado pelos educadores, uma
desobjetificação das mentes e quebrar mitos que viemos alimentando por muito
tempo, como: a inteligência de algumas pessoas possui limites, condições de
existência desumanas para minorias sociais (casos de machismo, racismo,
homofobia, etc.), reconhecimento das pessoas com deficiência física e mental,
sendo esta última comparada aos casos em que concebem mentes às inteligências
artificiais (a mente dele não é igual a minha, mas há uma mente ali, será que
eu não devo me importar com seu bem-estar e trata-lo como uma mente?).
O processo
de individuação é chamado de evolução no anime, o que traz a ideia controversa
do progresso ser linear e, se for conveniente teleológico, mas se nos
atentarmos para o darwinismo que sustentou a criação de Digimon perceberemos
que as condições ambientais trazem evoluções diferentes, como Guilmon evoluindo
para uma criatura monstruosa quando Takato é tomado por uma ira descontrolada.
A individuação baseia-se na aproximação com a experiência divina, representada
pela digievolução, daí é trazida a ideia de religião e de Deuses, a retomada de
mitos, a superação de si mesmo, a transcendência, a união entre consciente e
inconsciente e a ideia de unidade, sempre representada pelo equilíbrio das
quatro funções do inconsciente, muito bem representadas no anime.
Por último,
é questionado a validade da teoria do inconsciente coletivo por estudos
étnico-raciais (onde utilizo apenas um livro, de Frantz Fanon, para ilustrar
esse desacordo) e se não seria mais provável a noção de inconsciente cultural.
Muito próximo da ideia de colonização do pensamento e de alienação da
consciência temos a globalização expressando tantas imagens quantas sejam
possíveis, o que dificulta sua assimilação e a compreensão dos símbolos de sua
própria cultura, chegando a substituí-los por outros que mostram uma expressam
estatística mais recorrentes e tendenciosos, que por sua repetição massiva,
podem ser considerados novas imagens que virão a preencher o inconsciente
coletivo, como marcas de roupas, rótulos de refrigerantes, estabelecimentos
multinacionais, por exemplo.
Em todo
caso: um anime entre tantos, pode ser apenas um conteúdo divertido e/ou
alienante, entretanto, são situações que podem ser reais e a identificação é a
chave para que haja uma possibilidade do uso da teoria dos arquétipos, de
estudos midiáticos e sociológicos sobre a apresentação daquele personagem e
como as crianças carregam consigo as ideias, comportamentos e linguagem
apresentadas. Digimon é o exemplo mais rico que consegui imaginar, mas é um
exercício que pode ser ampliado, comparado, recusado, questionado, criticado ou
aplicado.
Talvez o
que vemos seja mais que aquilo que vemos, por isso ele nos afeta. Porque é uma
experiência simbólica e psíquica, sem negar qualquer traço de materialidade
nessa interação.
(Este parêntesis foi escrito após a releitura desta postagem e suas predecessoras - partes 1 e 2. Na parte final percebi que há um racismo do escritor com a análise mobilizada: operar pela dicotomia branco/negro quando estão sendo representados japoneses/não-japoneses ou inteligências artificiais. Ainda que se possa fazer uma análise do mundo branco-europeu-ocidental, tratado por Frantz Fanon, no Oriente e, particularmente, no Japão, há limites para o uso de um inconsciente branco como demonstração da infantilização e feminização de um corpo negro, que esbarram, aqui, em representações com nenhuma ou pouca relação com o branco. Sendo assim, vale a pergunta: se o negro, aqui, não se diferencia do branco, qual seu par opositor e complementar? Também é possível questionar se Frantz Fanon é a melhor referência para estudar a personagem que denominamos negro, algo que é necessário ser repensado, dado a recente abertura cultural do Japão ao Ocidente, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Assim, que referências e que referentes da cultura japonesa colaboram para uma análise de seus materiais semióticos, os quais são lidos aqui com um interesse mais psicológico do que artístico? Ou ainda, se a própria leitura psicologizante não deturpa a possibilidade de utilizar ferramentas conceituais oferecidas pelas artes visuais para um estudo mais adequado da imagem, comentário válido para as partes 1 e 2).
Referências e
recomendações de leitura
ALTMAN, Jack. 1001 Sonhos: guia ilustrado dos sonhos e seus
significados. São Paulo: Publifolha, 2003.
DENNETT, Daniel C. Tipos de Mentes: rumo a compreensão da
consciência. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
JUNG, C. G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Ed. 24.
Petrópilis: Vozes, 2014.
MAMBERT, W. A.; FOSTER, B. Frank. Viagem ao Inconsciente.
São Paulo: Círculo do Livro, 1973.
MONTESSORI, Maria. A Criança. 3ª Ed. Rio de Janeiro, RJ:
Internacional Portugalia, [19-].
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. 24a Ed. Rio de
Janeiro, RJ: Forense Universitária, 2001.
VINHA, Telma. O Educador e A Moralidade Infantil: uma
construção construtivista. Campinas, SP: Mercado das Letras/FAPESP, 2000.
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