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domingo, 7 de agosto de 2016

Notas sobre Digimon Tamers: arquétipos e simbologia (1ª Parte)

Introdução:

Recentemente reassisti Digimon Tamers, depois de mais de 14 anos do seu lançamento nas televisões brasileiras. Nunca consegui terminar o anime, o que me motivou a descobrir seu final e conferir se os spoilers que meus amigos me deram na época que eu parei de assistir eram verdade (e não eram). No total são duas temporadas com um total de 51 episódios de duração aproximada de 20 minutos cada.
O que me motiva a escrever estas notas são: a simbologia que percebi na animação; a identificação que os personagens poderiam ter com os personagens e como isso poderia ajuda-las a resolver seus problemas e conflitos (que seria feita através do símbolo); os digimons como inteligências artificiais e sua aceitação pelas crianças; temas de importância internacional que surgem de forma sútil no desenrolar do anime.

Descrição arquetípica dos personagens:

            Temos muitos personagens na animação, cada um deles como crianças de aproximadamente 10 anos representando um arquétipo. Inicialmente temos três personagens arquetípicos: Takato, Jenrya e Ruki, e seus respectivos digimons: Guilmon, Terriermon e Renamon.

Takato desenhando Guilmon
            Takato é a representação do menino imaturo, introvertido, cabeça nas nuvens. O primeiro episódio mostra como ele é o aluno distraído que é repreendido pela professora e age de forma inocente. Não vê malícia nas coisas. Sua intimidade com as próprias fantasias dificulta sua compreensão sobre o mundo objetivo, o que é facilmente percebido por ele raramente ser o personagem que propõe as interpretações para as situações que exigem reflexão. Em geral, age impulsivamente, segue suas orientações internas e se importa verdadeiramente com as pessoas ao seu redor.     Guilmon é uma criação das anotações de Takato, preservando qualidades da personalidade de domador, como um aspecto infantil acentuado.  Está em um estado de heteronomia que o torna facilmente influenciável, sendo Takato a voz de respeito para Guilmon. Este digimon, além de transparecer um aspecto gentil, como Takato, se utiliza dos instintos para proteger-se, o que muda sua atitude meiga para algo ameaçador e atento.    
Guilmon no estado mais instintivo
            Guilmon, assim como os outros digimons, são o eco e a compensação inconscientes de seus parceiros. Guilmon representa os extremos de Takato. Sua infantilidade faz dele muito dependente de Takato, como se fosse sua mãe, e por isso o obedece tanto. Takato, desde que Guilmon aparece, deve cuidar de seu digimon e adotar posturas mais maduras, devendo tomar decisões e escolhas por ele e por Guilmon, muitas vezes, castrando Guilmon em suas atitudes demasiado infantis. Takato deve mudar seus comportamentos infantis, já que eles não contribuem para manter Guilmon a salvo. O outro lado de Guilmon é seu comportamento de caçador: olhos com pupilas redondas tornando-se similar às de um réptil e o corpo eriçado, pronto para o combate; o importante aqui é que ele também é a compensação da sensação de fraqueza que Takato possui em decorrência de sua personalidade introspectiva. Guilmon, quando atento, percebe o mundo externo de forma que Takato não conseguiria normalmente. Em resumo: Guilmon é ao mesmo tempo a mente infantil incompreendida de Takato e seus instintos responsáveis por restaurar a realidade perturbada. Por Guilmon ser um dinossauro, faz sentido que represente energias profundas no inconsciente de Takato, tanto aquelas que buscam satisfazer as fantasias quanto aquelas que corrigem pela força os desequilíbrios da personalidade. 
         Jenrya é o menino chinês, portanto, um estrangeiro na história (que acontece no Japão). Parecido com Takato, deixa-se levar pelos impulsos, mas de forma destrutiva. Enquanto Takato dirige suas energias para si, Jenrya manifesta-a no ambiente. Sua postura calma é uma autocontenção buscando evitar os combates e sua sombra. É um menino dedicado e busca ser o mais equilibrado possível. Suas aulas de kung-fu são uma forma de terapia onde concentra sua energia destrutiva tentando canalizá-la da forma correta com a ajuda de seu mestre. Ao mesmo  tempo que trabalha sua energia interna, aprende a ponderá-la. Sua personalidade aparentemente equilibrada resgata a insegurança sobre si mesmo, o que o torna ciente da necessidade de ser reflexivo; duma personalidade ora introvertida ora extrovertida, mas tendendo ao equilíbrio.
Da esquerda para a direita: Jenrya, Terriermon e Takato
            Terriermon, com seu bordão “moumantai” (que significa não se preocupar, relaxar) é o aspecto contrário à tensão que Lee vive, é o alívio de viver, é uma forma despreocupada de levar a vida. Em contrapartida, menos reflexivo e mais fluido aos acontecimentos, permitindo se entregar facilmente às situações sem demonstrar resistência. Sabe quando deve relaxar e quando lutar; em regra: todo fim de luta permite o descanso até que um novo combate se inicie. Acha as atitudes de Jenrya muito duras, às vezes desnecessárias, em todo caso, é precisamente a suavidade que Jenrya busca em seu inconsciente. Em suas evoluções, Terriermon mostra-se destrutivo, portando armas de fogo e mísseis: um resgate à necessidade de autocontrole de Jenrya.
            Ruki é a menina que se comporta como menino (o animus presente na personalidade): não é delicada, compete com meninos, prende o cabelo num rabo de lobo (o que a faz aparentar desafiadora), não se veste seguindo os estereótipos, fala de forma agressiva e rude na maior parte do tempo, não gosta de apelidos fofos como Rukinha (não se incomoda ao ser chamada de Rainha Digimon, pois simboliza poder nos espaços públicos que frequenta). Não possui paciência com reflexões, toma decisões rápidas baseada na situação e se prepara antecipando qualquer situação que o mundo possa lhe reservar (vemos que ela passa muito tempo organizando as cartas que usará para Renamon). Por ter dificuldades de se identificar com sua anima, seu aspecto feminino, mostra-se inflexível a novas posições e não se submete facilmente, sentindo o orgulho ferido quando sente que perdeu. Por não dedicar-se tanto ao seu mundo interno, é prioritariamente extrovertida.
Da esquerda para a direita: A avó de Ruki, Renamon e Ruki
            Renamon, representada por uma raposa, não deveria ser confundida com a imagem do animal malandro e ardiloso, mas do animal sagrado japonês, com sua comum representação pela kyubi (raposa-de-nove-caudas), em que o número 9 representa o equilíbrio psíquico, ou, como é o caso, a necessidade de se ter este equilíbrio. Renamon é o único Digimon que escolhe seu parceiro, enquanto Takato desenha e dá vida a Guilmon e Lee seleciona Terriermon num jogo de computador. Quando Ruki recebe o digivice, vários digimons querem que ela seja a domadora deles por seu aspecto masculino e viril, que demonstra poder, muitos, entretanto, assustam Ruki, fazendo com que ela passe por medo e exposição. Renamon, como força reguladora, afasta essas figuras malignas e preserva a personalidade de Ruki.
            Renamon parece ser sempre muito sábia, quase individuada, traz um ar de superioridade e serenidade. Mostra-se tão arrogante quanto Ruki, mas por insistência da parceira em ser arrogante também: se a consciência (Ruki) decide o que fazer, o inconsciente (Renamon) deve arranjar outras estratégias de comunicar seus interesses.
            Nos primeiros episódios, Ruki recusa Renamon como sua amiga, sua parceira, reprime as boas intenções de Renamon e comanda-a de forma rude. Esta atitude pode ser entendida como uma dificuldade em reconciliar sua anima, que é justamente a função inconsciente que Renamon vem desempenhar como balanço à realidade psíquica de Ruki.
            Estes são, basicamente, a trindade do digimon. Também encontramos outros personagens com representação arquetípica.
Leomon em sua primeira aparição
Katou atende à representação da anima que encontra em seu digimon, Leomon, seu animus, apaixonando-se por ele. Como Leomon é um leão, representa toda a força, sensualidade e sexualidade da parceira, que é o equilíbrio ideal entre os aspectos masculinos e femininos. De maneira um tanto curiosa, Leomon deveria representar a força transformadora e ativa, mas está o tempo todo a falar sobre o destino, o que o faz parecer conformado e passivo, e esta viria a ser a expressão de sua anima, que encontra em Katou o animus transformador e ativo, que pode ser visualizado pela iniciativa de Katou em insistir a Leomon que fosse seu digimon e quando chama-o de príncipe.
Katou, à esquerda,  ao ver Leomon pela primeira vez e Kulumon
Leomon possui uma persona masculina completada pela feminilidade de Katou, e esta, por sua vez, é completada pelo aspecto masculino de seu digimon. Assim, Katou possui seu animus e anima trabalhando de forma organizada no seu inconsciente. É com a morte de Leomon que Katou perde seu animus, não havendo mais equilíbrio psíquico. Katou passa a exaltar o aspecto feminino de Leomon que é o destino, gerando uma superabundância de símbolos femininos em seu inconsciente e prejudicando seu processo de individuação. Depois será Takato quem substituirá Leomon como animus.
Leomon, ainda por cima, apresenta semelhanças com o pai de Katou por ambos falarem sobre o destino que salvaguarda a morte, e Leomon consegue ser mais amplo que isto. O pai de Katou menciona o destino após a morte da mãe, e Leomon continua falando em destino ao morrer. Katou está revivendo um trauma e vivendo um novo trauma, embora ambos os traumas rememorem o destino inescapável.
Takato resgatando Katou e Kulumon
Ryo é a figura do Herói, representa o justiceiro, pode ser confundido com Takato, mas guia-se por princípios e valores bem definidos, com sagacidade no olhar e destreza nos movimentos, sem contar que é muito seguro sobre suas próprias ações e decisões. É aureolado como lendário pelos demais personagens, visto como um exemplo por suas conquistas (já foi o Rei Digimon). Ruki se incomoda com a presença de Ryo por ele ser um animus ameaçador, então ela compete com ele pelo controle da situação. Ruki encontra em Ryo uma fixação que é simbolicamente resolvida no último combate, em que Ruki abre mão de suas energias para reforçar às de Ryo, em outras palavras, cede em sua posição de força para expor-se, mostrar-se frágil, confiar a Ryo sua anima, sendo ele seu animus. Ruki se entrega à Ryo.
Cyberdramon apresenta-se sempre numa forma evoluída, o que pode indicar prepotência de Ryo. Sua sede por batalhas mostra como o Herói pode ter uma emoção incontrolável pelo desafio e aventuras, sendo sua própria fraqueza, torna-o previsível, mas isto não é explorado no anime. O que mostra que por traz de toda personalidade aparentemente perfeita tendemos a nos desequilibrar. Ryo, para controlar a personalidade sanguinária de Cyberdramon, utiliza um chicote de seu digivice, o que mostra uma repreensão sobre si mesmo e como o Herói pode ser duro demais consigo ao perceber suas falhas.
Cyberdramon, à esquerda, sendo contido por Ryo, à direita, e outros digimons atrás
Hirokazu, mais conhecido por Kazu, é a personalidade idolatrado/idolatrador com duas faces essenciais: mostrar autoridade, o que implica em exigir que outros o respeitem; simultaneamente, nutre respeito a outra autoridade. Para o primeiro exemplo temos os primeiros episódios, em que Kazu, Kenta e Takato jogam cartas e Kazu sempre vence por sua ofensiva pesada, que o faz invicto no jogo de cartas, aumentando a honra, muito bem vista no mundo masculino. Sua atitude, muito comum entre os meninos, encontra rivalidades em Ruki, que está sempre humilhando-o, daí utiliza seu ídolo, Ryo, para jogar o jogo da honra contra Ruki como quem diz “Quem é menos honrado? Alguém que nunca caiu por não ter competido ou a Rainha Digimon que já perdeu para o Rei e só detém o título porque o Rei desapareceu?”.
Kazu tornando-se tamer de Guardromon
É muito interessante que Guardromon seja uma máquina, presume movimentos rígidos, mecânicos demais, como é a personalidade de Kazu, mas é Guardromon que está interessado em libertar o povo Gekomon da tirania de Orochimon. Guardromon não consegue libertar ninguém sem ajuda. É Leomon, que pode ter a sensualidade traduzida em vaidade, que faz o trabalho que Guardromon pretendia. O que pode ser compreendido como abrir mão da própria vaidade, que não consegue resolver o problema. Guardromon tenta, na forma de Andromon, sua evolução, utilizar da ofensiva compulsiva para vencer Orochimon, a mesma que resulta na sua derrota, assim como Kazu, mas sua melhor participação é quando não está frente a frente com um inimigo, mas planejando uma estratégia. A criatividade, resultado da efusão do aspecto feminino, é uma forma de reduzir a vaidade e a honra para pensar as ideias.

Kenta é o elo mais fraco de todo o grupo, demonstra masculinidade diante dos amigos, muito provavelmente seguindo as atitudes de Kazu, o que demonstra sua dependência. MarineAngemon, seu digimon, mostra-se claramente feminino, fazendo oposição a seus amigos; ela também não se comunica muito bem, ou melhor, se comunica de uma forma incompreensível para todos, o que poderia ser símbolo daquilo que gostaria que seus amigos descobrissem, mas sem que precisasse falar. Enquanto todos estão conseguindo seus digimons, Kenta é o último a tê-lo, o que causa uma frustração.
MarineAngemon, à esquerda, e Kenta, à direita
Kenta e Kazu parecem muito amigos. Enquanto não possuem digimons, estão sempre juntos, quando Kenta consegue Guardromon é Kazu que não possui companhia alguma e permanece num possível complexo de inferioridade, deve ser protegido por seus amigos. Embora não transpareça tanto essa fragilidade ao longo do anime, vemos que é quando Kazu adquire o Guardromon que Kenta sente-se deslocado do grupo, não é apenas o último, é quem não possui digimon algum: não iniciou seu autodescobrimento.
MarineAngemon é claramente uma espécie de fada, cabendo neste momento como um indicativo da homossexualidade reprimida, o que não é algo incomum de se pensar no Japão, um país onde a homossexualidade não acontece livre e abertamente, onde andar de mãos dadas com o parceiro ou parceira é impensável. A imagem da fada é substituto da ninfa para a mulher e toda a atividade feminina. Em algumas culturas as fadas não são bonitas e normalmente traiçoeiras, mas neste caso ela busca evocar um sentimento de autoconhecimento do espectro feminino. Provavelmente, da anima substituindo o animus da persona.
A fada pode, entretanto, representar o gênero feminino e não necessariamente a sexualidade. Para as crianças deve ser mais significativo a construção do gênero, do seu papel social. A identificação com a fada mostra-se uma possibilidade de como apresentar-se aos outros.
Shu Chong, irmã de Jenrya, é uma criança que quer brincar e está numa fase de imaginar ativamente. Ela sente medo das coisas, de modo geral, e requer proteção como qualquer criança em seus 6 anos de idade. Antylamon, seu Digimon, é o adulto que faz seus caprichos enquanto traz a sensação de segurança. Entretanto, quando torna-se Lopmon é incapaz de defender Shu Chong.
Shu Chong, à esquerda, e Antylamon, à direita.
Sendo o símbolo do coelho, mais especificamente do horóscopo chinês, Lopmon, e principalmente Antylamon, cumprirão a regra e preservarão a ordem. A única coisa que impede isto é uma nova ordem imposta, Sahochung. Antylamon age com bondade ao encontrar Shaochung, não a negligencia, característica própria do signo; entre tantas outras qualidades estão sua calma, a sensibilidade, graciosidade, tranquilidade e paz. Sua parceira, ao contrário, é caprichosa, imediatista, enérgica, sem modos e decidida. Não é preciso mencionar que um é veloz e o outro muito lento. O coelho é uma referência clara à movimentação e Shaochung é a criança e ela brinca, corre, se move.
Alice possui aparição rápida, apenas traz Dobermon ao encontro de Takato, Jenrya e Ruki. Dobermon intercederá com vontade divina dos Digimons Deuses permitindo a união das crianças com seus Digimons (a bioimersão). A imagem do cão vem aflorar os instintos das crianças e seu potencial para o combate, ou mesmo guia-las, como é tarefa comum dos cães aos cegos, por exemplo.
Alice é de todos os personagens o mais frustrado: não sabemos se ela mantém contato com seu Digimon, depois de seu autossacrifício para um bem maior. Em sua última aparição, ela está andando pelas ruas em sua roupa preta de luto e de cruz no pescoço. Sua aparição rápida torna-a enigmática. É uma proximidade da morte diferente da de Katou; enquanto uma lida com as surpresas e a crueldade da morte, a outra é confrontada com uma morte piedosa e que, provavelmente, deixou um sentimento de saudade, sem traumas.
Dobermon, à esquerda, e Alice, à direita
Os símbolos da individuação

            Mizuno é uma figura misterioso nesse mundo digital, o episódio 32, em especial, mostra mais detidamente isso, como quando diz:
            - Eu ainda estou dormindo. Não apenas eu, mas todos os humanos, e quando acordamos será a hora de uma nova evolução. 
                Uma referência ao processo de individuação.
            É interessante notar que da mesma forma que o mundo real possui mitos sociais o Digimundo também, desta vez voltados para as formas de evoluir, de se aprimorar, aperfeiçoar-se: absorver o que está no mundo é a melhor forma de evolução, apropriar-se de algo que é externo favorece as evoluções dos digimons. Mas isto é mito, a verdadeira evolução acontece na interação entre digimons e seus parceiros, na formação de laços, na criação de uma união. Preservam-se as partes para formar uma unidade         que preserva as partes. O último de estágio da evolução é quando dois tornam-se um. Quando os dois mundos colidem num único corpo bem definido. Quando a consciência e a inconsciência estabelecem vínculos sem qualquer distinção ou julgamento. 
Mizuno, à mesa, de frente para Takato, Jenrya e Terriermon
            O mito pede a destruição dos sujeitos e das mentes, seu contradiscurso concilia partes, sujeitos, objetos, mentes, corpos, ideias, sistemas, estruturas num Ser que é simultaneamente uma nova constituição que preserva seu passado essencial.
            A humanidade cria mitos para a natureza como forma de explicar aquilo que se passa com ela quando interage com esse outro. A Natureza-Outro e seus fenômenos despertam sensações no interior da alma da Humanidade-Eu, e o grande motivo pelo qual, no início dos tempos, tentamos explicá-la foi para explicar aquilo que acontece em nós, pois antes não existia essa dissociação entre natureza e humanidade: eram uno.
            Uma mudança nos mitos é dissociação entre a natureza e o espírito humano, relegando-a à condição de objeto observável e manipulável pela ciência como proposto na revolução científica durante o século XVII, quando a biologia determina que sua forma de classificar se limita àquilo que pode ser visto e descrito nas plantas e animais.
            A natureza no Digimundo é árida inicialmente, parece, também, repartida, segmentada, fragmentada, com uma lógica imprecisa em sua geofrafia, como se o fim desse mundo estivesse próximo de acontecer e acabar no caos que levaria à destruição. Quanto mais as crianças e os Digimons evoluem, ou melhor, se aprimoram, cuidam para que seus símbolos inconscientes sejam conciliados com o consciente, vemos crescer a compreensão sobre si mesmos, e por isso, sobre os mitos que as cercam e formam suas mentes.
            Os Digimons que acreditam nos mitos, assim como humanos acreditam, não são capazes de evoluir, e quando conseguem, como os devas (os 12 Digimons sagrados representados pelos animais do horóscopo chinês), é porque possuem um regime hierárquico que premia suas conquistas, não acabando com os mitos, mas fazendo pensar que o mito é verdade, e neste caso, os devas são o resultado de uma crença arraigada na submissão a um Deus Digimon que os fortalece pela sua lealdade, o empecilho está na desobediência, como acontece com Atylamon: deixar de obedecer uma figura de poder que por interesses lhe confiava poder é perder o apoio desta figura, ou seja, perder o poder – uma atitude extremamente política.
As formas evoluídas, ou individuadas, de Takato, Ruki,
Jenrya e Ryo, da esquerda para a direita
            Quando os devas evoluíram não o fizeram por uma circunstância que garantisse a permanência dessa evolução, eles apenas ascenderam numa hierarquia de classes móveis, e seus poderes eram utilizadas de forma indireta, a fonte de suas energias estava na vontade de seu Deus de emprestá-las. As crianças não estão presas a nenhuma hierarquia, elas se constroem de forma independente de qualquer outra vontade, sua plataforma é a interação entre elas, os Digimons e o mundo provocador de situações desequilibradoras na psique.
            O Digimundo personifica a religião e aspectos sociais do comportamento humano no mundo virtual. A organização social do s digimons não é distante da dos humanos, tampouco suas piadas, seus medos, suas comidas, sua arquitetura, e outras coisas mais. Afinal de contas, foi criado baseado em experiências humanas.
Os quatro Deuses Digimons
O Digimundo possui quatro Deuses, sendo que esse número expressa a circularidade, o equilíbrio dos quatro domínios da psique (sensação,  pensamento, sentimento e intuição), representam a unidade, como numa mandala.  Na luta contra o matador, Ruki, Takato e Jenrya, mesmo alcançando o estágio uno com seus Digimons, fundindo-se com eles, precisam de um quarto integrante uno – Ryo – para completarem sua missão. Na própria batalha dentro do Matador, são os quatro – representação da unidade divina – que enfrentam o inimigo.
            O Matador toma a forma de demônios, fantasmas, criaturas assustadoras, fortes e que encarnam o mal. Também faz uso da imagem da súcubus no corpo de Katou, a figura feminina que seduz os homens para tortura-los. A forma principal do matador assume uma imagem feminina com uma coroa triangular: a mãe destrutiva e divina, aprisionadora dos filhos que aniquila suas vontades para manter-se controladora. A mãe não proporciona mais a vida, a destrói, essa é a imagem que traz o Matador.
O Matador na forma de súcubus
            Cada evolução dos Digimons dos personagens é um autoconhecimento de seu próprio inconsciente, o que auxilia na individuação de cada um deles. São momentos de dificuldade e reflexão que proporcionam a aproximação com seus Digimons-inconsciente, é preciso que haja uma tensão provocada pelas imagens primordiais para tornarem-se conscientes e gerar familiaridade e reconhecimento desse material que antes era desconhecido, recusado, impensado, inconcebível.
            Na sua forma mais individuada Takato torna-se um paladino leal aos seus amigos, que é o Bem e lutará por ele, erradicando qualquer intempérie para uma pacificação; antes de atingir o estágio de defensor da bondade, precisou decair na ira e em sentimentos autodestrutivos, que encarnaram a imagem do dragão e do fogo vulcânico para daí tornar-se luz e salvação.
O Matador em seu aspecto de divindade
Ryo é a imagem de Robin Hood, age de forma independente e possui um senso de justiça próprio na sua individuação, tendo movimentos rápidos e, dessa vez, deixando de combater sozinho e criando interação com as outras crianças, e é esta interação que faz toda diferença, é nesta interação que seu antigo descontrole, expresso em seu digimon sanguinário, não deixa mais traços visíveis, está reconciliado com sua autoimagem.
Uma cena de muita intensidade para compreender o processo de individuação de Ruki é quando ela deixa de lado sua persona masculina, representada na camiseta de coração partido, para aceitar a camiseta de coração inteiro da mãe: recebe da figura materna e feminina um presente que é, em todo caso, a aceitação de sua parte feminina, sem por isso, deixar de ser masculina. Enquanto o masculino combate, o feminino cedo, e é este oposto, antes inacessível para Ruki, que faz com que ela ceda parte de suas forças à Ryo. A imagem de Sakuyamon, sua figura individuada, é leve, equilibrada e sábia; Ruki comenta como é impressionante que ela consiga sentir Renamon tão próxima dela, afinal, são uma só agora. As atitudes masculinas pedem um distanciamento, um isolamento, e é essa aproximação que faltava em Ruki.
Sakuyamon cedendo suas energias para Justimon


Jenrya não possui mais medo de sua agressividade reprimida; seu medo de machucar os outros é superado e possui um autocrontole maior. Em sua individuação sabe direcionar suas energias destrutivas de forma coerente sem ser prejudicado e sem prejudicar as pessoas que ama.
Ruki, Takato, Jenrya e Ryo são as quatro funções inconscientes, sendo respectivamente intuição, sentimento, pensamento e sensação. São as quatro secções equilibradas do círculo psíquico. 

(Continua...)



















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