Sabemos que sabemos, é difícil não saber. Temos sempre algum conhecimento que é um prodigioso saber, sendo todos, sem exceção, guardiões de algum saber. Não para guardá-los, escondê-los, encadeá-los, torná-los um saber privado, mas guardiões na medida em que somos nós que conhecemos tão bem o nosso saber para saber o que fazer com ele, sobretudo, para saber como esse saber que é nosso encontra espaço para ser o saber que sabemos que ele é. De forma alguma outros guardiões podem tomar nosso saber, pois ele é somente nosso. Se isto é insuficiente, saibam que um mesmo saber possui cores, tantas quantas possíveis e em combinações inconcebíveis. Nós, diferentes guardiões, transformamos nossos saberes em particularidades pelas cores que sabemos que eles têm, cores essas que são difíceis de mostrar; podemos pintar cores bem próximas do saber que conhecemos, e mesmo sabendo como nosso saber é, não sabemos exatamente se soubemos expressá-lo tão bem, pois esse novo saber soma-se ao novo saber conferindo-lhe novos arranjos de cores, e não raro, novas cores a disposição dos saberes.
Não obstante, o saber rapidamente acaba como saberes. O advento da experiência multiplica-o tanto quanto é possível, e por conseguinte, a paleta de cores. Os saberes também são primários, assim como as cores, e de sucessivas misturas e combinações obtemos saberes em tons diferentes dos outros saberes, sendo que esses vários saberes que não têm hora nem lugar para acontecer acabam por tingir nosso pensamento com as cores de nossa vida. Os tons mais claros e escuros podem combinar-se ou dissociar-se numa aquarela de sensações. Podemos conferir um verde ao canto das cigarras; o azul ao aroma das rosas; o vermelho a uma cena trágica; e que cores as letras pretas desta tela parecem ter? São as cores que queiramos, que nos parecem ser, que suscitam em nossos sentidos adventícios as mais variadas cores do saber. Sabemos o que sabemos. É por esse saber que as cores, em pinceladas finas, contornam nossas ideias, os complexos tons da sabedoria.
CREESE, Michael. "Aurora Borealis" (2009).
Eu poderia dizer que tudo é feito de cores e fazer da aurora nosso Deus, de Michael Creese o profeta, mas essas seriam cores que eu pinto sem saber se são as mesmas cores que vocês recebem. Como guardiões, dificilmente podemos comprometer os saberes que guardamos, para isso encontramos um meio eficiente de preservá-los: pelo contato indireto com as cores. Por isso nossos saberes não desaparecem, não podem ser furtados, não podem ser copiados, talvez replicados, o que implica no uso de cores diferentes para um mesmo saber (e por isso deixa de ser esse mesmo saber a passa a ser outro saber), mas nunca igual. Não somos todos uma única aurora que coreografados traçam nossos seres. Somos individuais, somos únicos, somos singulares. A isso devemos não só ao saber e suas cores, mas a complexidade com a qual os saberes tornam-se uma ideia, que por sua vez, contornam o pensamento. Daí, tudo tem cor: a água que eu bebo; a bola com a qual eu brinco; o salto para alcançar o galho; a mesa sobre a qual me debruço; o armário no qual me escondo; a terra seca que me entristece; o vento gelado que me queima a pele; a solidão que ora ou outra encontramos; a neutralidade que a ciência sugere; a moral que a sociedade me cobra; os pais que tenho o desprazer de ter ou a infelicidade de não ter; os saberes que utilizo dia a dia.
Por quaisquer que sejam os motivos, os tons vivos desbotam, às vezes nem percebemos (como grande parte do que nos acontece). Vivemos uma vida pálida, conhecendo um mundo polar, sabendo o que há de mais branco nele, pensando claramente sobre tudo, com ideias destoadas do que realmente guardamos. Faz-se saudável a combinação de tons, mas preocupante somente os tons mais fortes ou os tons mais fracos.
Digo que guardamos cores e saberes, o que não significa que somos introvertidos o tempo todo. Compartilhamos as cores que queremos o tempo todo. Muito comum é que as cores nos escapem e permitam que os demais guardiões vislumbrem combinações diferentes de cores, e por isso novos saberes a serem incorporados, e quem sabe guardados, com grande chances de serem coloridos a gosto por este guardião, que na interação torna-se artista.
No final das contas, adentramos a vida como guardiões de cores para caminhar pintando cenários e nos descobrirmos pintores inatos. Se há alguma certeza que não pode ser desbancada é que as cores, em suas amplas matizes, esboçam nosso Eu e adornam nossa trajetória numa imensa tela.
Vejo que as cores estão perdidas em algum canto dos guardiões. Ou os saberes tinham tonalidades tão homogêneas que a variabilidade de cores tornou-se restrita a um número que se conta nos dedos. As cores perdem espaço para as formas: pontos, linhas, traços, curvas, círculos, paralelepípedos, cubos, hexaedros, cilindros, seguidas pelas imagens reais de árvores, carros, casas, vasos, animais e assim por diante. As coisas possuem cores, mas elas são meros atributos cambiáveis, diferentes das cores da alma. E as coisas são justamente o que conseguimos colorir e conhecer, logo, as coisas são cores passíveis de mudanças. Nunca uma mesma cor para todos, até porque poderíamos comparar o movimento da alma ao movimento das cores na aurora, e pensarmos em almas-aurora, cada um com seu próprio movimento e sua própria forma de colorir os saberes, de compor as ideias e de se expressar no mundo. Nosso maior exercício é de como não destoar sem impedir o movimento de mudança que as cores sugerem, assim começamos a trabalhar a alma-aurora para o artista o qual estamos destinados a ser.
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