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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Os rótulos e nossas cores

Ouço mais do que eu gostaria as palavras direita e esquerda nos discursos políticos, normalmente para afirmar sua posição ou formar oposição. Essas palavras possuem suas cores, cuja mistura final consistem no azul e no vermelho, respectivamente. Meus ataques sinestésicos me mostram essas cores quando as palavras são pronunciadas. Me relembram de um momento de Guerra Fria, onde os Estados Unidos (à direita do mapa, nesta guerra) e a ex-União Soviética (à esquerda do mapa, desta mesma guerra) disputam/competem por absurdos (como toda guerra acaba sendo). Menos importa o enfoque da guerra ou dos partidos e sim os engrandecidos títulos direita/esquerda.

De certa forma, qualquer atitude pode ser direitista ou esquerdista, como,ora ou outra os indivíduos fazem questão de apontá-las. Uma das maiores crueldades que pode existir é em portar um rótulo que você nem faz ideia que possui. Diga sobre a legalização da maconha e prove do esquerdismo que podem lhe conferir; aceite a privatização dos setores públicos e deguste da direita a qual você pertence. E o mundo torna-se um conjunto de manchas vermelhas e azuis, apenas. Esqueçam o branco da paz, pois essa cor pode ser manchada por qualquer tom mais escuro e incorporado para constituir nova cor. Esquerda ou direita, não importa, ambos buscam uma paz, de certa forma, que culmina no desenrolar de uma hegemonia defensora de seus ideais e na extinção de seu oposto.



SALLES, Diogo. PSD: Partido Socialista de Direita. Jornal da Tarde (2011).

A radicalidade com a qual tinjo este post torna suas cores vivas demais para poderem ser apreciadas com tranquilidade. Parece inclusive exagero afirmar a extinção do oposto, alguns dirão, sendo que eles competem para vencer. Nesse exercício não há quem ganhe a corrida mais ou ganhe menos. Na competição, é ganhar ou perder. Se existe a vitória de uma cor, existe a derrota de outra, e portanto sua destruição. As lutas sucessivas, até agora, não mostraram uma vitória clara de nenhuma das cores, e ansiamos que nossa cor esteja em disparada. Sofremos de angústia, quando nossa cor está lenta e perde posição nas curvas. Gosto de pensar nisto como algo cômico pela forma como é expressado, me lembrando os balões de grito ou fúria dos personagens de quadrinhos. Ambos os lados explodem em defesa de seus interesses como se fosse impossível discordar das respectivas pautas e inflam seus egos em disputa. Ao mesmo tempo, com o mesmo grito, tentam engolir seus adversários.



As cores são muito mais do que um azul ou um vermelho, conhecemos, por exemplo, o verde, o amarelo, o roxo. Não importa qual seja sua cor, logo será ou vermelho ou azul. Essa dicotomia dos rótulos, que começo a discutir na política, embora seja vista em tantas outras instâncias (Homens/mulheres, burgueses/proletariados, claro/escuro, quente/frio, visível/invisível, sim/não, feliz/triste, natureza/tecnologia, religião/ciência, bem/mal). 

Hoje mesmo presenciei um debate em minha faculdade e ouvi essas velhas dicotomias. As coisas são tão simples assim a ponto de escolhermos um lado ou outro? O mundo é binário, diria Tim Minchin, e nos esforçamos por fazê-lo assim. Somos sucessivos zeros e uns em combinações parecidas com 01001000. Alguns mais esquerdistas, outros mais direitistas, e não passa disso. Para ilustrar em mais de duas cores, The Heritage Orchestra (que não permite que a tradição binária saia incólume) nos presenteia com a agressiva existência da diversidade:


Colorir-se assim, facilmente, me parece um peso... São cores difíceis de serem trocadas. Mal escolhemos nossas cores e estamos destinados a um azul ou vermelho, mesmo querendo laranja; nos deparamos com essa neurose política constantemente. Inclusive os que se definem acromáticos/acolores sofrem com isso (como assim você não é nada? Tem que ser alguma coisa!) . Num mundo concreto impregnado de cores, o acolor é uma abstração distante e irreal. 

Se queremos saber se somos vermelho ou azul, fiquemos sentados esperando arremessarem tinta em nós. Algumas tem a matéria-prima mais cheirosa, outras são mais grudentas, mas não importa, o que é relevante é que a tinta te atinja e você tenha se decidido, escolhido o melhor lado. Somos livres para escolher entre um ou outro, todas as coisas poderiam ser fáceis desse jeito, não é? Poderiam. Seriam tão fáceis que eu relegaria ser livre. 

Novamente, o problema não é escolher sua cor, pode ser problema para cores que tendem a homocromatizar os diversos cenários, e é para este fetiche da guerra em que duas cores em disputa atrapalham as demais cores ou essas mesmas cores ao qual atento. Parafraseando Tim Minchin: as cercas estão além do mundo binário (para mim, bicolor). É complicado, inclusive, dizer que as demais cores são produto dessas primeiras. Nem as cores primárias são duas, aliás, nem afirmar uma terceira cor justifica um terceiro rótulo.

Quando escolhemos, não pensamos o tempo todo num cenário de guerra e nas estratégias para vencê-la. É até doentio pensar que tudo é uma guerra, isso costuma ser estresse pós-traumático. É um caso sério, e para isso recomendo tantas horas quanto possível de Tim Minchin ou uma longa vida na floresta, próximo dos animais, que não pensam em direita nem esquerda, apenas fazem o que precisam, quando precisam; as plantas então, que preferem apenas crescerem conforme a natureza.

Ser rotulado é muito fácil, como já disse. Quando você menos espera, adquire um rótulo, utilizando eufemismos: conquista, fama, título. Em casos menos graves, podemos optar por nosso verde, vermelho, laranja, amarelo, azul, lilás, preto, branco. E mesmo assim se torna pouco informar uma única cor. Tudo tem que ter nome, tudo tem que ter cor. Se não podemos nos referir a algo com palavras, então isso não existe (valendo para as ideologias). O raciocínio é muito confortável. Essa necessidade de dar nome a tudo acaba, por vezes, em formas e pouco importa a cor que têm. O signo define tudo, pois é nome. O conteúdo não precisa ser explicado, ou seus olhos não enxergam bem o suficiente para ver a forma? A palavra BRANCO que destaco em negrito é, obviamente, preta, mas ela não se refere a cor preta, ela, com traços pretos exprime o significado do branco. Por mais que seja um exemplo bem abstrato e alguns clamem para que eu seja mais concreto, não sou eu quem dirá que cores vocês enxergam, senão eu estaria afirmando uma outra cor-hegemônica, ou até reafirmando a verdadeira cor de cores já discutidas. As pílulas não são somente a azul ou a vermelha, o ponto é esse.


Cena icônica do filme Matrix (1999)

O melhor que pode ser feito é algo que as discussões a favor da diversidade de gêneros já adotou. Quando você conversa com uma pessoa, você utiliza o pronome que corresponde ao sexo dela (aquilo que você vê), ou você pergunta como prefere ser chamada (aquilo que ela afirma que é). Quando conversamos com alguém que é visivelmente vermelho, perguntamos qual cor corresponde a sua luta? Lembrando que perguntar se ele é vermelho pode ofendê-lo, melhor não fazer isto.

Já retirei meus óculos 3-D, a armação sempre me machucou muito, e posso (penso poder) ver as cores como elas são, não confundir cores com formas (por mais que o tipo de óculos não seja o problema neste caso). Assim vamos trabalhando a tolerância, o reconhecimento às diversidades, a alteridade, o diálogo, vamos exercitando os valores democráticos (que já é um rótulo por si só, pode ser até anarquismo para quem preferir, ou qualquer outra coisa, a cor é sua) e paramos de nos cercar de ambivalências, pois as coisas não são tão simples assim; quanto mais sabemos, mais difícil fica decidir.




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