Vídeo retirado de: https://www.youtube.com/watch?v=ceJ3v8-S2Ic
Seus pensamentos
não são ordenados, os sentidos o traem e suas lembranças sobre seu companheiro,
o segundo personagem da música, são evocadas numa dimensão de sentimentos contraditórios.
A letra da música traduz da melhor forma possível o que o instrumental
apresenta como o conflito interno: o isolamento e o deslocamento das coisas
para uma introversão em seus próprios pensamentos.
Suas
primeiras imagens psíquicas não o culpam pela solidão que sente, pelo contrário,
procuram o companheiro incansavelmente em suas lembranças nostálgicas. É o
companheiro que deverá curar suas queimaduras e seus ferimentos. Mas ele não
está lá. Desamparado, retorna aos estágios infantis de seu desenvolvimento
psíquico, de onde saía apenas quando seu cuidador lhe prestava proteção e
assimila seus medos e anseios. Sabe que está sem o companheiro, não será ele
que o amparará desta vez.
A
contragosto, ergue-se. Olhando ao redor, sob a escuridão do ambiente e de sua
própria mente, encontra coisas e lembranças de situações que alfinetam seu
imago. A chuva o consola ao bater na janela. Os dias possuem cores indefinidas com
fachos de luz branca que não ajudam em sua identificação. Não sabe como chega
aos lugares que precisa ir, tampouco se lembra do que come pela manhã ou sente
motivação para fazer alguma coisa. De alguma forma sempre retorna para casa.
Não possui outro lugar para ir. Quer estar em casa, mas ela se mostra estranha,
mais vazia do que o habitual. Parece que os móveis não preenchem o espaço de
forma adequada, tem a impressão de que eles se tornaram pequenos, e nessa
minimização sua fantasia trabalha trazendo antigos sentidos de certeza que não
possui mais. Onde haviam objetos, há uma projeção holográfica de suas memórias
e de sua intimidade. As coisas que o companheiro falava, inclusive as coisas
que faziam, o rodeiam, não permitindo que ele se esqueça.
A chuva
cessa. Os raios luminosos do Sol anunciam o fim da madrugada e o começo de um
novo dia. Os raios de luz atravessam a janela sem timidez alguma. Sente um
ímpeto de aventurar-se em algo perigoso, mas sente um sabor irresistível na
boca. O evento fantástico, como que por acaso, o desperta de sua morbidez. As
cores imprecisas passam a ser reconhecíveis, embora a mudança que a luz
provocou tenha sido a iluminação de seus complexos. A luz não clareou sua
mente, ver novamente as coisas como elas são foi advento de seu olhar interno
sobre si mesmo, de ter buscado novas cores para tingir seu mundo, outros
sentidos para explicar-se. As velhas sensações já não davam conta, pelo
contrário, confundiam-no.
Pode ver
claramente o Sol nascente. Sente-se reanimado, o tempo volta a correr, as
coisas parecem menos lentas e estáveis. A frigidez do ambiente aquece com a luz
do Sol. Somente agora percebeu que havia estado num silêncio eterno. O ambiente
volta a ter voz. Suas ideias voltam a falar-lhe compreensivamente. Ele próprio,
depois de seu longo trajeto, retorna a sua consciência sabendo o que esperar de
seu conflito. Sabe que ruído precedeu o silencio, por suposto, também haverá de
saber que o silêncio deverá ser rompido.
Sua
transformação só aconteceu, e ele sabe disso, porque existiram sementes de uma
vida com permanentes mudanças plantadas com outra pessoa. Sua vida não poderia
ser apenas sua, mas também de seu companheiro, de uma forma tão natural que
eles não precisaram acordar nada, pois se não fosse esse o sentido da
experiência que está vivendo, ele não se sentiria na obrigação de retribuir.
Nosso personagem, que em seus momentos de dificuldade sempre encontrou ajuda,
levanta-se para ser suporte de seu companheiro, este que esteve agarrado em
palavras e crenças que os afastavam de seus verdadeiros pensamentos.
No encontro
dos dois, nosso personagem apresenta sua experiência para o companheiro. Sabe
que não é um momento inoportuno para os dois, ele esperou não apenas seu
silêncio terminar, como esperou seu parceiro inquietar-se com o silêncio. Realmente,
ele sabe que o momento chegou. Devem matar o passado para retornarem à vida.
Uma vida que só faz sentido com o outro, entre companheiros. Embora não seja possível
eliminar o passado, eles sabem que só se tornaram o que são devido a esse
passado. Uma reconciliação entre eles é metaforicamente a morte do passado:
eles não vivem mais do passado, eles fluíram para fazer cumprir um ciclo de
vida e morte.
Juntos,
eles estão radiantes, reconciliados, renascidos, reintegrados, mais próximos de
si, e por isso, mais próximos um do outro: são uma unidade de cabeça erguida em
direção ao Sol resplandecente.
Coming Back To Life é a oitava faixa do álbum The
Division Bell (1994) da banda britânica Pink Floyd.
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