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sábado, 2 de julho de 2016

Coming Back To Life: música e reflexão




Vídeo retirado de: https://www.youtube.com/watch?v=ceJ3v8-S2Ic

Como que suspenso, nosso personagem não sente o chão. A nova realidade ondula, é estranha, não se parece com o mundo concreto onde vive costumeiramente: o chão, as paredes, as formas e toda estrutura conhecida perturba-se em movimentos gelatinosos constantes até se tornarem pura energia. Essa energia consegue ser distinguida pela visão, percebe corpos e objetos atravessarem seu campo de visão, embora algo nele faça perceber confusamente essa velha realidade. Seus olhos ocupam-se de retocar suas antigas certezas, modificando as energias que o mundo exterior lhe apresenta. Não é como se o mundo fora de si estivesse diferente, é seu toque que adquiriu uma percepção outra, percepção que vem de dentro.
            Seus pensamentos não são ordenados, os sentidos o traem e suas lembranças sobre seu companheiro, o segundo personagem da música, são evocadas numa dimensão de sentimentos contraditórios. A letra da música traduz da melhor forma possível o que o instrumental apresenta como o conflito interno: o isolamento e o deslocamento das coisas para uma introversão em seus próprios pensamentos.
            Suas primeiras imagens psíquicas não o culpam pela solidão que sente, pelo contrário, procuram o companheiro incansavelmente em suas lembranças nostálgicas. É o companheiro que deverá curar suas queimaduras e seus ferimentos. Mas ele não está lá. Desamparado, retorna aos estágios infantis de seu desenvolvimento psíquico, de onde saía apenas quando seu cuidador lhe prestava proteção e assimila seus medos e anseios. Sabe que está sem o companheiro, não será ele que o amparará desta vez.
            A contragosto, ergue-se. Olhando ao redor, sob a escuridão do ambiente e de sua própria mente, encontra coisas e lembranças de situações que alfinetam seu imago. A chuva o consola ao bater na janela. Os dias possuem cores indefinidas com fachos de luz branca que não ajudam em sua identificação. Não sabe como chega aos lugares que precisa ir, tampouco se lembra do que come pela manhã ou sente motivação para fazer alguma coisa. De alguma forma sempre retorna para casa. Não possui outro lugar para ir. Quer estar em casa, mas ela se mostra estranha, mais vazia do que o habitual. Parece que os móveis não preenchem o espaço de forma adequada, tem a impressão de que eles se tornaram pequenos, e nessa minimização sua fantasia trabalha trazendo antigos sentidos de certeza que não possui mais. Onde haviam objetos, há uma projeção holográfica de suas memórias e de sua intimidade. As coisas que o companheiro falava, inclusive as coisas que faziam, o rodeiam, não permitindo que ele se esqueça.
            A chuva cessa. Os raios luminosos do Sol anunciam o fim da madrugada e o começo de um novo dia. Os raios de luz atravessam a janela sem timidez alguma. Sente um ímpeto de aventurar-se em algo perigoso, mas sente um sabor irresistível na boca. O evento fantástico, como que por acaso, o desperta de sua morbidez. As cores imprecisas passam a ser reconhecíveis, embora a mudança que a luz provocou tenha sido a iluminação de seus complexos. A luz não clareou sua mente, ver novamente as coisas como elas são foi advento de seu olhar interno sobre si mesmo, de ter buscado novas cores para tingir seu mundo, outros sentidos para explicar-se. As velhas sensações já não davam conta, pelo contrário, confundiam-no.
            Pode ver claramente o Sol nascente. Sente-se reanimado, o tempo volta a correr, as coisas parecem menos lentas e estáveis. A frigidez do ambiente aquece com a luz do Sol. Somente agora percebeu que havia estado num silêncio eterno. O ambiente volta a ter voz. Suas ideias voltam a falar-lhe compreensivamente. Ele próprio, depois de seu longo trajeto, retorna a sua consciência sabendo o que esperar de seu conflito. Sabe que ruído precedeu o silencio, por suposto, também haverá de saber que o silêncio deverá ser rompido.
            Sua transformação só aconteceu, e ele sabe disso, porque existiram sementes de uma vida com permanentes mudanças plantadas com outra pessoa. Sua vida não poderia ser apenas sua, mas também de seu companheiro, de uma forma tão natural que eles não precisaram acordar nada, pois se não fosse esse o sentido da experiência que está vivendo, ele não se sentiria na obrigação de retribuir. Nosso personagem, que em seus momentos de dificuldade sempre encontrou ajuda, levanta-se para ser suporte de seu companheiro, este que esteve agarrado em palavras e crenças que os afastavam de seus verdadeiros pensamentos.
            No encontro dos dois, nosso personagem apresenta sua experiência para o companheiro. Sabe que não é um momento inoportuno para os dois, ele esperou não apenas seu silêncio terminar, como esperou seu parceiro inquietar-se com o silêncio. Realmente, ele sabe que o momento chegou. Devem matar o passado para retornarem à vida. Uma vida que só faz sentido com o outro, entre companheiros. Embora não seja possível eliminar o passado, eles sabem que só se tornaram o que são devido a esse passado. Uma reconciliação entre eles é metaforicamente a morte do passado: eles não vivem mais do passado, eles fluíram para fazer cumprir um ciclo de vida e morte.
            Juntos, eles estão radiantes, reconciliados, renascidos, reintegrados, mais próximos de si, e por isso, mais próximos um do outro: são uma unidade de cabeça erguida em direção ao Sol resplandecente.

Coming Back To Life é a oitava faixa do álbum The
Division Bell (1994) da banda britânica Pink Floyd.

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