O seguinte texto está organizado
em postulados e escólios, cuja base consiste nas considerações da psicologia
comportamental (principalmente do beheaviorismo radical) acerca de uma
diferenciação entre instinto, reflexo e comportamento, utilizando o exemplo de
leões que devoram as crias que não pertencem à sua linhagem como analogia para
casos de rejeição de bebês pelos pais quando descobrem que não são o pai
biológico. Com efeito, busco
demonstrar, sem esgotar o assunto, uma diferenciação entre instinto e cultura,
além de mostrar como o instinto pode ser confundido com reflexo (uma confusão
bem comum) e como um comportamento é tomado por esses dois.
Acerca do instinto em
seres vivos não humanos:
1 – Instintos são comportamentos não modeláveis, comuns a
uma espécie, não podem ser extintos e ocorre independentemente de estímulos
externos.
1.1 –
Ainda que os instintos preparem o organismo para um ambiente, ou seja, ele antecipa um possível cenário no qual o organismo pertencerá, eles são uma forma de garantir a perpetuação de uma
espécie no ambiente em que seus progenitores viveram, não podendo antecipar
qualquer cenário futuro em que o animal venha a viver.
2 –
Os genes são informações compartimentadas que justificam formas, tamanhos,
cores, materiais (células-tipo), organização celular, organização sistêmica e
ações iniciais para garantir a sobrevivência de uma vida num ambiente.
2.1 – Os
genes contém informações básicas que podem ser chamadas de instintos ou
reflexos.
2.1.1 –
O reflexo é uma resposta ao ambiente, existe uma série de informações
armazenadas no código genético que podem ser ativadas em decorrência de
estímulos do ambiente e está restrita ao código genético.
3 –
A sobrevivência do animal no meio/ambiente depende de seus instintos e reflexos.
4 –
O comportamento dos animais decorre de causas genéticas e sociais.
4.1 - Podem
surgir novos comportamentos numa espécie, embora restritos ao seu material
genético e à possibilidade de ativação desses genes.
5 –
O animal aprende a viver no seu meio, regulando seu comportamento para os
reforços gerados no ambiente (condicionamento operante) e não apenas reproduz
seus instintos, herdados pelo código genético, o que significa que os comportamentos não são herdados geneticamente ou estão contidos no gene, porém, todo comportamento está em relação com um gene.
5.1 – Se
um reforço positivo do meio aumenta a frequência da resposta esperada pelo
animal, isto não é instinto, daí as leoas possuem um reflexo de proteção aos
filhotes.
5.2 – Se
as leoas não protegessem seus filhotes, outros leões os matariam, e se isto
pode ser tomado como um instinto (embora esteja enviesado), também pode ser considerado um comportamento
aprendido socialmente entre as leoas ou um reflexo, visto que a leoa só faz
isso quando seu filhote está ameaçado.
5.2.1 –
Se a leoa demonstra proteção ao filhote sem nunca ter visto este comportamento
de outra leoa numa situação idêntica, a causa da proteção não é social, podendo
ser instintiva ou um reflexo ao meio.
5.2.2 -
Somente as leoas que protegiam seus filhotes tiveram os genes perdurados para a
próxima geração de leões e leoas.
6 –
A violência é uma situação social de confronto e implica num comportamento violento,
embora sua base energética seja a agressividade, decorrente de causas
genéticas, mais especificamente do funcionamento fisiológico do animal, mais
conhecido por situações de luta e fuga do
sistema nervoso simpático (ao menos em humanos), ou seja, o animal deve
sentir-se ameaçado para demonstrar um comportamento violento, impulsionado pela
agressividade instintiva desse animal; o comportamento violento mostra-se,
portanto, um reflexo aos estímulos que ameaçam o animal.
6.1 –
Afirmar que os leões devorarem os filhotes de outros leões é instintivo é afirmar
que isto é uma necessidade, assim como o sexo, a alimentação e a respiração.
6.1.1 –
Se comer os filhotes é um comportamento que pode ser extinto, então ele não é
instintivo, podendo ser socialmente aprendido ou decorrente de seleção natural.
6.1.1.1 – A seleção natural não seleciona instintos, mas
genes a ser repassados, portanto, informação genética, como exposto no postulado 2.
6.1.1.2 – A seleção natural depende do comportamento
certo do animal no ambiente que permitirá a sobrevivência de um gene.
6.1.1.3 – Da mesma forma,
podem ocorrer mutações no material genético dos animais, por causas variadas.
6.1.1.3.1 –
As mutações genéticas podem extinguir uma espécie por ser desfavorável para a
adaptação dela em seu meio ou facilitar a sobrevivência dessa espécie no meio,
o que significa uma melhor adaptação, retornando o raciocínio para o escólio 6.1.1.2.
7 –
Instinto é comumente e corretamente pensado como ações que os seres vivos
desempenham desde o nascimento.
7.1 – As
diferenças instintivas entre seres vivos decorrem de um material genético
variado.
7.1.1 –
O material genético variado decorre de condições ambientais, diferentes formas
de adaptação das espécies ao seu ambiente e mutações preservadas por seleção
natural.
1ª Conlusão:
1 – Não é instintivo devorar os filhotes, mas garantir a
sobrevivência eliminando empecilhos que impeçam que o leão consiga se
alimentar, sendo devorar os filhotes de uma prole estranha um comportamento
possível e dificilmente um reflexo. Justificado pela seleção natural.
2 – Não é instintivo a leoa lutar contra as ameaças ao seu
filhote, mas garantir a sobrevivência do filhote, sendo a luta e o confronto um
comportamento possível justificado pela seleção natural. Por configurar um
reflexo, visto que é um comportamento respondente, ou seja, acontece 100% das
vezes em que o filhote encontra-se em perigo ou quando a leoa sente que existe
uma ameaça; o ato de proteção pode configurar um comportamento operante, isto é,
que opera sobre o ambiente de forma a prevenir as ameaças pelo combate físico.
Acerca do instinto em
seres humanos:
Em seres humanos
encontramos outras variáveis (análise psicanalítica da autoimagem e as ciências
da cultura), permitindo-nos interpretar casos de rejeição de bebês por pais que descobrem uma traição na relação e desconfiam que o filho não seja de sua linhagem como:
1 – A traição e a descoberta da falsa paternidade são
eventos diferentes, embora coextensivos.
1.1 –
No caso da traição, o importante é a reciprocidade e a confiança que desaparece
na relação do casal.
1.1.2 – A traição fragiliza a relação do casal, mas não
necessariamente a relação pai-bebê.
1.2 –
No caso da descoberta da falsa paternidade, o importante é a negação de algo
que parecia verdade. O bebê é a mentira viva na relação do casal, mas torna-se
objeto de projeção das angústias do homem que o criou imaginando ser seu pai ("pai").
1.2.1 –
O bebê é mais do que genes herdados do pai para serem perpetuados, é um sentido
de existência e de pertencimento para o "pai": quebra de
expectativa e fragmentação da identidade.
1.2.1.1 – Este caso pode ser revisto como objeto de interesse da
filosofia pelo uso da razão e dos atos conscientes, não sendo nem biológico nem
psicanalítico.
1.2.2 –
O instinto do "pai" é a preservação de si, refletido na
preservação da autoimagem de “ser pai”, sentido existencial dado quando soube
da gravidez da esposa.
1.2.2.1 – O então “pai” pode ver-se como pai a partir do
momento em que recompõe sua autoimagem de pai do bebê, ignorando a genética.
2 –
O darwinismo, quando muito mal interpretado, sugere que a evolução acontece sob
um princípio de exclusão, justificada pela famigerada competição natural entre os seres vivos.
2.1 –
A evolução dos seres vivos tende para a homeostase, por isso, para organismos
cada vez mais complexos, inter-relacionados, retroativos e socialmente
funcionais. Se o ser humano representa o auge da evolução seu organismo pode
ser tomado como exemplo dos processos históricos de evolução.
2.2 –
A psicanálise, mesmo superando a visão freudiana da psique, preserva o conceito
de ego e a descentração do ego para a sociedade – sacrifício dos prazeres
individuais devido a princípios morais.
2.2.1 –
A eficácia dos sistemas culturais humanos encontra-se baseada num sistema de
valores que submete o indivíduo à vida coletiva.
2.2.2 –
O surgimento de um sistema simbólico comum à vida social permite que os
indivíduos se comuniquem e criem linguagem, recurso que só é desenvolvido na presença
do outro.
2.2.2.1 – A linguagem existe para comunicar algo, ela é
criada a partir das necessidades dos indivíduos e se complexifica a medida que
as necessidades do indivíduos se complexificam.
3 –
A consciência permite uma adaptação melhor do indivíduo ao ambiente por estar
dotada de reflexão, possibilidade de mudança de comportamentos.
3.1 –
A complexificação da consciência permite que o indivíduo viva um momento e não
um instante.
3.2 –
A complexificação da consciência permite que o indivíduo perceba-se como um objeto
entre objetos.
3.3 –
Acompanhada da possibilidade de memorização, a consciência permite resgatar
diferentes disposições dos objetos no espaço num instante específico e
contribui para a diferenciação de instantes.
3.3.1 –
Os instantes memorizados permitem a formação de uma narrativa pessoal: permitem
que o indivíduo conte sua história.
3.4 –
A consciência permite o desenvolvimento da autorregulação na medida em que as
memórias resgatadas oferecem uma percepção contínua do indivíduo no espaço.
3.5 –
As emoções são a complexificação das percepções sensoriais, com um
funcionamento mais profundo, alcançando a psique.
3.5.1 – As emoções ajustadas à consciência podem ser
consideradas processos evolutivos decorrentes da superação do ego: originam os
conflitos internos, solucionados na maioria das vezes com encontros externos
(no ambiente).
2ª Conclusão:
1 -
As atitudes violentas são comportamentos-reflexos com bases genéticas no
temperamento agressivo, não instintos. O instinto é a autopreservação.
1.1 – Ainda
que existam genes para justificar a agressividade, e por isso a violência, a
carência de estímulos ambientais não ativa esses genes e a violência não é uma
necessidade biológica senão um comportamento genético que sofreu seleção
natural para permitir uma adaptação, mas que pode ser suprimido pelo
aparecimento de um comportamento mais vantajoso para a sobrevivência dessa
espécie sem alterar sua identidade genética num curto período de tempo.
1.1.2 – A mudança de
comportamento não altera o material genético, como gostaria o lamarckismo,
embora mudanças no material genético signifiquem mudanças diretas nas
possibilidades de comportamento, como consta no darwinismo.
2 –
As emoções também estão sujeitas a processos evolutivos pela fisiologia do
corpo e sugerem, por darwinismo, um funcionamento emocional do cérebro que
propicia a adaptação da espécie humana.
2.1 –
As emoções costumam ser justificadas pelo funcionamento neurofisiológico do
corpo, tendo um sentido material muito bem construído e estudado pelas ciências
biológicas ou ciências da vida, por outro lado, as ciências humanas
aventuram-se a procurar sentidos imateriais nas relações humanas, como é a
ideia, a moral, a linguagem, a cultura, o pensamento, a transcendência.
3 –
O conflito interno gerado no "pai" pela descoberta da traição e de que seu filho não é necessariamente seu, gera uma emoção desagradável que pode ser ajustada
por um ato de consciência para viver em convivência.
3.1 –
A convivência é saudável na medida em que ela permite relacionar-se. O "pai" pode separar-se da esposa e do bebê, este será o recurso homeostásico que permitirá ao "pai" dirigir seus desejos e sonhos para outras relações (outras mulheres/outros bebês).
3.1.1 –
Pensar a homeostase das relações como a conciliação entre marido e esposa e
marido e bebê, é um valor moral sobre as relações, que também significa enfrentar os perigos que fragmentam a autoimagem.
3.1.1.1 – A
reconciliação pode ser uma solução consciente e/ou emocional, mas não
necessariamente, visto que a identidade de pai pode ser reconstruída em outras
relações.
4 –
Dificilmente a agressividade deixará de fazer parte dos reflexos emocionais que
permitem a autopreservação do ser (instintivo), mas a consciência, nascida da
socialização, decorrente de bases evolutivas da cognição e da abstração
humanas, tendem a punir comportamentos que impedem a convivência moral dos
indivíduos sociais.
4.1 – Diferente do reforço negativo, que aumenta a frequência da resposta indesejada ao observador devido a estímulos condicionantes, toda punição diminui a frequência de uma resposta indesejada por estímulos aversivos. A punição, desta forma, procura extinguir uma resposta inadequada às expectativas
dos condicionantes.
4.2 –
A divisão que se faz no comportamentalismo entre reforço positivo e reforço
negativo leva em consideração uma resposta comportamental escolhida
arbitrariamente para ser o objetivo do condicionamento.
4.2.1 –
Toda punição, não é nada mais que um arbitrário que regula o
comportamento de um indivíduo ou grupo de indivíduos, portanto, não é natural
ou instintivo, é sempre um comportamento violento.
4.3 –
Cada cultura encontra sua própria forma de homeostasiar-se, de aplicar reforços
positivos ou punições para garantir a sobrevivência de grupos que
partilham de um circuito simbólico parecido. Assim, a cultura tende a preservar
sua forma adequando o comportamento de seus indivíduos à própria cultura,
evitando heresias, sendo as punições uma forma de extinguir comportamentos que
impeçam a convivência entre os seres.
4.3.1 –
As culturas encontram divergências entre seus valores, costumes e tradições,
diante de culturas estranhas.
4.3.1.1 – Qualquer fundamentalismo é uma forma de
extinguir o que é estranho, tendendo a perpetuar sempre o Mesmo, seus próprios
valores, o que fere um princípio de variabilidade essencial nas teorias da
evolução, além de não ser homeostático.
4.4 –
As culturas que incentivam comportamentos violentos, a liberação dos impulsos
agressivos através da punição, provavelmente sofrerão negativamente as
consequências da seleção natural, visto que a evolução prioriza conjunções.
5 –
Temas como ética, política, filosofia e educação permitem profundas reflexões
da vida sobre a vida, das continuidades possíveis e desejáveis. Permitem rever
comportamentos, recompensas e punições no cotidiano, na cultura e na história e
ajustá-las para realizar seu instinto e todos os outros instintos.
5.1 –
A negociação, o diálogo, a conversa e a fala são meios que diferenciam as
possibilidades comportamentais de leões e esposos que achavam que eram pais,
permitindo realizar as necessidades do instinto ajustando seu comportamento,
tendendo cada vez mais à autorregulação e menos à punição externa, sendo a
surpresa e raiva reflexos para lidar com um ambiente ameaçador à autoimagem,
mas que podem ser evitados sob condicionamentos.
5.1.1 –
É difícil imaginar que uma autorregulação permita que o indivíduo conheça 100%
de si mesmo e de suas possibilidades comportamentais, o ego não permite que o
indivíduo realize autopunições constantes que evitariam a realização do seu
prazer, sendo considerado patológico ou mesmo uma mutação desfavorável para sua
sobrevivência. O que justifica a existência de instituições externas ao
indivíduo para regular a vida social.
6 – Nem o leão nem o ser humano possuem instintos
agressivos, a seleção natural utiliza a agressividade como um reflexo para a
sobrevivência em casos de ameaça apresentadas pelo ambiente, podendo a
agressividade ser externalizada nos mais variados comportamentos e combinações
entre eles, possíveis pela existência dessa informação no material genético ou
por uma informação aprendida, o que fornece meios para pensar a vida como uma
homeostase entre uma informação genética (interior) e uma informação social
(exterior).
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