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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Uma defesa à magia I

Há quem pense que a magia faz parte do mundo das crianças quando elas fantasiam; em seus contos de fadas; nas lendas e histórias sobrenaturais que ouvem por aí. Magia é quase uma piada para os adultos que deixaram para trás a fantasia e o imaginário infantil. Se uma criança explica um acontecimento, como o surgimento do irmãozinho porque a mãe comeu demais ou que a chuva acontece porque tem alguém que faz chover, perante um olhar racional é inconcebível, pois sabemos que o espermatozoide quando encontra o óvulo origina um embrião e existe o ciclo da chuva renovando o fenômeno. Estes acontecimentos na explicação da criança não são precisamente mágicos para ela, possuem seu sentido lógico. Já para o adulto não poderiam acontecer senão pela magia, pois é ilógico; eles conhecem a verdade sobre esses acontecimentos. A criança que tenta explicar o mundo por correlações estranhas a do adulto, que fere a verdade causal dos fenômenos é perdoada pela pouca idade e pouca experiência. Está aprendendo. É no período inicial da vida que recursos fantasiosos são aceitáveis, para continuar a falar abertamente dos elementos mágicos compenetrados na realidade e afirmar que eles existem, deve haver uma escolha cuidadosa em como representar a magia.

A literatura fantasiosa é um espaço reservado aqueles que pretendem viver intensamente o inconcebível. A magia ora acontece no mundo tal como o conhecemos ora em terras inventadas, fantasiadas, imaginadas, criadas por alguém. O mundo de Harry Potter é o exemplo mais claro da magia dividindo terreno com o que é trouxa: varinhas, feitiços, poções, hipogrifos, sereias, fantasmas, vassouras voadoras, bruxos, duendes, fênix, elfos, lobisomens; e outra faceta da magia literária é O Senhor dos Aneis, com tantos elementos fantásticos quanto os de Harry Potter (e com elfos mais altivos e ágeis). A magia aparece em contextos que só ela é capaz de dar sentido ao que acontece, que nada mais racional consegue explicar os fenômenos. Os dragões só existem em mundos permeados por magia: Harry Potter, O Senhor dos Aneis, Eragon, As Crônicas de Fogo e Gelo, Deltora Quest. Os dragões, segundo a ciência, não seriam capazes de existir como os imaginamos: cuspindo fogo e voando, seria fisicamente impossível. Embora nas fantasias eles tenham um lugar especial e sua existência garantida. 

Ver link: <https://www.youtube.com/watch?v=eSGtN70TcJg>.  Nerdologia 10: DRAGÃO ARROTA FOGO!

A sublimação dos impulsos sexuais na criança, segundo Freud, acontece quando a realidade moral se contrapõe à fantasia libidinal. A fantasia é ameaçada pelo plano da realidade, simultaneamente, a imaginação, mesmo quando inofensiva, pois não é produtiva para a sociedade. Tudo o que não obedece as normas reais deve ser esquecido; as energias devem ser inteiramente voltadas para o que existe de fato, para o palpável, visível, não o extraordinário, o absurdo, o que inexiste. 

O cinema é capaz de realizar a fantasia e concretizá-la no telão, mas já ouvi adultos que não se satisfazem com essas bobagens.  A magia é coisa de criança, então se você gosta de Harry Potter, ou é uma eterna criança ou amadurecerá algum dia. É uma distorção da realidade. Se não é uma animação Dream Works/Pixar ou um desenho infantil da Disney, ou seja, para o público infantil, a magia é uma perda de tempo. O cinema traz a magia não apenas com classificação indicativa livre, mas para 10, 12, 14, 16 e 18 anos. É como se a magia fosse um processo, uma fase da vida, logo ela deve ser esquecida, dar espaço ao real, e prontamente substituímos a magia por algo mais importante, como o debate político. Não se faz decisões com magia, mas com pessoas que decidem por meios não-mágicos. Existe um grande público dos super-herois, dos personagens da Marvel e da DC. Não ouso enquadrá-los como uma magia infantil e repudiada por não fazer referência diretamente à magia, diferente de algumas animações e literaturas infantojuvenis já citadas; os super-herois tem explicações científicas para serem o que são. A kriptonita não é um material com propriedades mágicas, é um mineral e deve ser avaliada pela geologia, mais precisamente pela mineralogia, mesmo que seja fictício e tenhamos uma impressão extraordinária sobre o que vemos; o adamantium, por sua vez, é uma liga metálica e suas propriedades podem ser questionadas pela ciência.


Os super-herois e seus contextos, por mais que exista resquícios de elementos mágicos, impossíveis, irracionais, são apresentados segundo explicações reais e com inspiração na ciência; eles desafiam a física (como o Super-Homem, o Flash), a biologia (o Aquaman) etc. Existe uma diferença clara entre a ciência e a magia, entre o explicável e o inexplicável. Enquanto os superpoderes se explicam com ciência (ou são falseados por ela), a magia possui uma explicação tautológica: "a magia aconteceu porque é magia". Nada explica a magia e nada pode corrigir a magia. E falseá-la pela falta de rigor científico não é válido, pois e a magia não se propõe a ser científica. E no fim das contas chegamos a conclusão que magia não é ciência, o que explica parcialmente porque algumas pessoas tem um certo desgosto pelas explicações mágicas.

Qual a relevância de ter um vasto conhecimento sobre criaturas mágicas, preparação de poções, feitiços, pedras mágicas, encantamentos, histórias sobre coisas que não existem? Game of Thrones deve ser uma série tolerada pelos esquemas políticos densos; até os dragões de Daenerys, quando entram neste jogo podem ser toleráveis se existem situações que poderiam ser reais: orgias, decaptações, batalhas, incestos, tratados diplomáticos, assassinatos, traições. Os dothrakis, (na série, pelo menos), são um povo selvagem que não seria impossível de existir, já os dragões são questionáveis; se Daenerys fosse princesa dos dinossauros a história teria um outro valor e não seria mais mágica, mas um evento excepcional no plano histórico, provavelmente durante a extinção dos répteis gigantes, o que explicaria os poucos ovos que ela carrega.
 
Nos manuais de Duengeons & Dragons, os elfos são humanos de orelhas pontudas com uma ótima destreza e beleza sobrenatural. Os anões são baixinhos, corpulentos e fortes (seguindo o legado de Tolkien). A fisionomia destas duas raças não difere tanto dos seres humanos, embora existam explicações mágicas, principalmente para os elfos, sobre a longevidade (exceto se sofrem uma ferida letal ou adoecem), a visão mais aguçada, percepção e sentidos mais apurados, imunidade a certos tipos de magia. Eles possuem sua própria cultura e rituais característicos. Arquiteturas e artes diferentes. A linguagem e escrita são tão singulares quanto qualquer língua existente. Qualquer evento mágico tem como resposta a magia, que tende a ser recusado.

Impressionante é pensar que alguém pare e se dê ao trabalho de criar uma cultura que não existe e que não ajuda a entender o real. Tolkien, conhecido popularmente como criador de  O Senhor dos Aneis, criou uma mitologia, diversos idiomas (entre eles o élfico e o anão), uma geografia para sua Terra Média. Aqui começa minha primeira defesa à magia: ela é uma outra forma de pensar o real. Nem Tolkien ou Rowling fazem coisas sem sentido. Ao utilizarem a magia como produtora das coisas eles dão um toque especial ao que existe no mundo. Quando Tolkien se dedica a criar idiomas para suas histórias, ele utiliza idiomas que já existem, e isso só é possível porque ele é um filólogo habilidoso. A geografia da Terra Média é constituída de montanhas, planícies, vales, depressões, florestas, lagos. Estão dispostos criativamente e com dimensões extrapoladas. A cultura élfica ou anã possuem traços de culturas que existem ou já existiram na história da humanidade, como a proximidade com a natureza pelos elfos e a superação dela pelos anões, que preferem as rochas, a solidez e o planejamento arquitetônico, são, em outras palavras, urbanos. A magia é tão natural quanto a ciência nesses casos.



 Acima, a escrita élfica. Abaixo, o conhecido inglês.


 Em Harry Potter, os feitiços são conjurados em latim; a história tem semelhanças com a época do nazismo: a denominação sangue bom/sangue ruim, Voldemort como um líder fanático poderoso que dá início a tempos de guerra, por exemplo; o castelo de Hogwarts é um enorme liceu com uma disciplina rigorosa, cujo sistema de ensino é constituído de aulas expositivas, avaliações e um currículo para formar o bruxo ou bruxa, embora eles não tenham Antropologia, Matemática, Química, Botânica ou Biologia, o Estudo dos Trouxas, a Aritmância, Poções, Herbologia e Trato das Criaturas Mágicas são equivalentes, e parabenizo as aulas de Adivinhação, a afronta determinista ao futuro imprevisível e inexplicável por formas normais; a capacidade de previsão da magia está além de qualquer Estatística que conhecemos. História continua sendo História, só que História da Magia. Outras explicações são curiosas, quando não sabemos com plena certeza sobre o que acontece depois da morte, existem fantasmas por Hogwarts, e estão lá devido ao medo que as pessoas têm da morte, podendo escolher continuar a vida numa forma incorpórea. A magia possibilita uma articulação mais flexível entre as ideias e cria possibilidades impossíveis.

Pré-requisito para o estudo de Runas em Hogwarts

A magia tem um funcionamento próprio que desgasta o pensamento racional. A magia é lógica e possui características próprias, compreendidas mais pelo irracional do que pela razão. Pensar a magia é um exercício simples de criar o desconhecido. Talvez não seja desconhecido para quem cria, apenas novo, mas para quem vê um hobbit, existe algo estranho em pés grandes e peludos daquele jeito. E há algumas linhas já não falo de fantasias infantis, mas de adultos que fantasiam e pensam magicamente. Não só as explicações de crianças de 5 anos sobre as coisas que veem podem ser fantásticas (dotadas de propriedades mágicas) como as explicações de adultos, como explicitado, são igualmente fantásticas.

A magia, hoje em dia, não é ruim ou dotada de propriedades más, apenas excêntrica e duvidosa. Já não acreditamos em magia, existe outra proposta de explicar como as coisas são, de onde vêm, para que servem. As ciências e as religiões são as soberanas na arte de ensinar o que a magia também ensinava, sendo que a conotação de magia que proponho é o pensamento impensável; a explicação mágica é aquela que ninguém ousaria anunciar publicamente, a não ser que quisesse sofrer deboche. A fantasia faz parte da infância, mas é preocupante se ela persiste por este caminho; as explicações mágicas das coisas são feitas por crianças, loucos ou ignorantes, nem os idosos ou anciões se utilizam da magia e repetem um Gandalf ou um Dumbledore, mas possuem uma religião ou uma ciência rigorosa, senão os dois. É difícil encontrar idosos que sustentem um argumento sobre a magia, ela não explica nada, não mais. 

turtle[1] 
JEWEL, Ellen. The art of patience (Tortoise of Burden). Sem ano.
A magia está na infância e na literatura infantojuvenil, primeiramente,só depois vem ganhar campo nos corações de criança de alguns adultos; e antes de ser tudo isto, a magia compactuava com as primeiras religiões e é rejeitada pela ciência, sendo massacrada por sua soberania. Pensar a magia não é tanto um problema quanto pensar magicamente, as coisas tem um porque de como acontece. Ser mágico é ser deslocado; nada justifica a magia senão ela mesma.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Considerações sobre Trainspotting, drogas, liberdade e absurdos

Introdução


O seguinte texto é impulsionado pelo filme Trainspotting (1996), dirigido por Danny Boyle. Uma das partes que quero destacar do filme é o começo dele, no vídeo a seguir: 


A partir dessa breve introdução do filme, que é encerrado numa fala semelhante a de seu início (para não dizer igual), podemos começar a questionar alguns pontos: as drogas e o consumo de ilícitos; o que entendemos por liberdade e como inquirimos as decisões e ações de outras pessoas pelo que achamos que parece bom ou que leva ao que é bom e proveitoso; finalizando no encontro com o absurdo quando tentamos explicar o que é liberdade e como as drogas podem ser um tipo de liberdade, o que leva a outras complicações e a mais absurdos.

Viver além de tudo

O estilo de vida das pessoas é questionável, principalmente quando elas escolhem viver dessa forma (como Trainspotting nos apresenta o mundo das drogas), o que incomoda os usuários da liberdade, por considerarem restrito o estilo de vida a ser levado. As drogas são um estilo de vida limitado; não encontramos liberdade nelas. As almas são baqueadas mais do que podem aguentar; ficam paralisadas, são privadas de desfrutar outras belezas, outros prazeres; o envenenamento do corpo acontece lentamente, um atentado à vida. - De onde tiramos a ideia de preservar a vida? Ou ainda, por que as restrições autoinferidas são tão nocivas para os usuários da liberdade tal como a conhecemos?

 Um exemplo de clichê sobre as drogas que podemos reproduzir sem maiores problemas.

Não pensamos (digo isso pensando naqueles que interferem no curso das sociedades) em preservar a vida de quem se acorrenta às drogas, mas daqueles que não experienciam seus efeitos e o vício que deixa a desejar expectativas. Permitir que as pessoas se acabem em drogas é inconcebível, pois é permitir que acabe com a liberdade a qual estamos acostumados.

De todas as liberdades que escolhemos: as escolas, os trabalhos, os shoppings (ou comércios/mercados), os entretenimentos, são vitais, o que torna estranho pensar que é uma liberdade. A necessidade, o dever, as normas, as regras, e seus semelhantes compõem o absurdo da liberdade. Ser livre é muito menos uma imposição a uma posibilidade; a falácia condicional de pensar "somos livres desde que..." é tão comum quanto a imagem ilícita das drogas.

Vivendo liberdades

Se existe liberdade em algum momento de nossas vidas é a liberdade de pensamento: que simplesmente acontecem ao acaso, estimulados pela consciência e plena racionalidade, por lampejos associativos que podem ser geniais (no instante em que eles conseguem nossa atenção), por lembranças passageiras. E sobre o pensar que achamos que pensamos, será que o pensamos? Com isso quero dizer que somos capazes de ser lógicos, de encadear as ideias para serem o que queremos que elas sejam, e por isso o nosso orgulho de exibir os pensamentos: porque eles nos pertencem; são originais em algum aspecto, pela liberdade de pronunciar as palavras como queremos. De fato é uma atividade memorável. Ou seria se fôssemos livres.

O discurso clichê sobre as drogas que: acabam com a família, levam a compulsividade, destinam a morte, degeneram a mente, tornam o corpo improdutivo, são pensamentos livres ou reproduções de um estilo de liberdade? Se a liberdade é livre, ela pode escolher não uma, mas outra liberdade, e assim ad infinitum. A possibilidade de ser livre não cria a possibilidade de escolha num espaço fechado, senão a abertura dessa espaço e na quebra de delimitações possíveis e existentes. Por isso digo que existem liberdades, não liberdade. Se me permitem a liberdade, recusarei e afirmarei a importância de me concederem as liberdades em suas infinitudes.

LUZ, Wiliiam. Linha involutiva. Retirado do artigo de Paiva Netto em:  <http://www.paivanetto.com/pt/saude/pais-e-filhos-contra-droga>.
 
As liberdades geram os absurdos, chamamos inicialmente de estranhezas. Os mais astutos, capazes de enunciar os conflitos gerados pelas liberdades de que se tem conhecimento, podem montar estratégias para controlar, dirigir, interditar, sistematizar, organizar, regular, negar, conduzir a liberdade estranha, adotando a sua liberdade como ponto de referência ou correção das liberdades que se constituem em bases errantes do ser livre.

É confortável posicionar-se contra as drogas, dificilmente haverá oposição. Somos criados para seguir a liberdade estabelecida, a única a ser conhecida, uma espécie de liberdade-saber. Que argumentos encontramos a favor do uso indiscriminado de drogas? E quantos são contra? Deveria ser difícil enumerar os argumentos a favor? Direi que não.

Desconstrução da liberdade

A resposta está na estratificação do campo de formação social e de seus interesses em relação ao objeto de saber. Acontece uma separação, no caso das drogas, entre o útil e o inútil; o que deve perseverar, eternizar-se, perpetuar-se, e o que deve desaparecer, deixar de existir, que não é interessante para persistir nos costumes. A partir disto criam-se as disposições a esquemas de percepção e apreciação que se inscrevem nos corpos, no pensamento, nas ações, na linguagem, no discurso, nas decisões, no presente vivido e no futuro desejado.

O Direito afirma uma ordem, reconhecida por todos nas leis, que não apenas protegem, garantem direitos, proporcionam um tipo de liberdade, como também punem, encurralam, corrigem e criam  uma atmosfera de vigilância constante. O menor deslize é um crime; a infração da liberdade-norma é vista com maus olhos. Ao pronunciarem a Lei em defesa de terceiros, supostos inocentes, vítimas, passivos que sofrem as consequências dos infratores, o Gládio recria o aburdo de supor que aqueles que se encontram nas dependências de sua liberdade estão sob essas regras e concedem abrir mão de suas liberdades individuais para serem acobertadas por um poder legítimo, um bem maior.

 Gládio: a arma romana que podemos encontrar encarnada no Direito como o símbolo da decisão sobre a vida.

As liberdades estão sempre em conflito, são caóticas, o que não significa que elas são prejudiciais. O que causa desconforto nas mentes docilizadas é pensar  (por conta própria, usufruindo da liberdade concedida) nas possibilidades de violência. Elas continuarão a existir desde que o estranho seja intolerável e deva ser domesticado, civilizado, silenciado, desqualificado, aniquilado. O reconhecimento desse estranho, o outro, é um passo importante para firmar o reconhecimento de uma outra liberdade.

Este discurso parece incoerente com a realidade e continuará sendo na medida em que os vários campos livres estejam sujeitos a uma ordem, uma razão, um sistema, uma presença reguladora que utilize do poder e sua microfísica para transformar as diversas vivências numa vivência comum, organizada, livre de diferenças, desigualdades e, também, diversidades. Nos tornaremos um grande formigueiro livre da dor e do medo, mas a custa de nossas liberdades individuais.

As drogas são más, serão por um bom tempo. A Igreja, a Medicina, o Direito e a Escola afirmarão o descompasso que ela possui na sociedade atual, porém, devemos lembrar que elas são instituições antigas e que possuem um poder bem específico, cada um deles agindo de forma singular e criativa para a tentativa de proibição das drogas. Elas possuem autoridade para negar qualquer utilidade do seu objeto-absurdo.

O conflito entre liberdades cria a ideia de absurdo, como já expliquei anteriormente. As disposições de pensamento não nos permite perceber os absurdos, mas liberdade-verdade. Asim garantimos o sucesso e o progresso de uma nação, um país, uma elite, uma minoria, que juntos com outras minorias são espalhadas pelo globo, anunciam um alvo, promovem uma guerra desnecessária para parecer que defendem a liberdade comum, caçam esse alvo. Como se não fosse suficiente, apontam para uma rede de saberes relacionada ao alvo e tornam-na cúmplice dos efeitos deste alvo. O tempo inteiro nos é oferecido proteção para uma liberdade que escolhemos ter, nos é garantida desde o nascimento, o que poupa nosos esforços de decisão e canalizam as vontades, interesses, sonhos, desejos, forças para algo pré-programado, para o sistema natural (ou que nos é apresentado desta forma).

Conclusão

Encerro alfinetando nossa liberdade restrita sobre o quão livres somos para decidir o que pensamos, e se as drogas, como qualquer outro tema, não são ideias confortáveis pela impossibilidade de: viabilizar alternativas, deixar nossas zonas de conforto, admitir que não possuímos liberdades, que entregamos o poder de decisão para instâncias "mais capazes", entre outros. A violência que decorre das drogas seria uma invasão das regras morais de um grupo de dominantes que se incomodam com a existência delas? Não responderei prontamente, embora esteja claro para mim o absurdo que decorre dessa verdade moral.
 
 Michel Foucault (1926-1984) observando você reproduzir discursos que incitam alguma verdade.

Diálogo com um amigo

Quem me apresentou o filme Trainspotting foi um amigo meu e estudante de direito. Assistimos ao filme de madrugada. Terminado o filme pedi papel e um lápis para uma reflexão que culminou da parte Viver além de tudo até a Conclusão. Esse amigo me entregou um caderno, escrevi o que pensava (e me incomodava sobre o tema) e deixei o caderno para que ele lesse o que escrevi, pois ele compartilhava em partes a legalização das drogas e achei que essa tensão de ideias seria produtiva, como sempre acaba sendo, pelo menos para nós. Suas interlocuções foram feitas por post-its que considero de vital importância para a apresentação de outras verdades e outras liberdades vividas sobre o mesmo tema.
 
O anzol
Pode não estar claro na imagem, mas é um anzol; momento em que eu pesco a atenção dele ao dizer "O Direito afirma uma ordem (...)". Seguido dos seguintes post-its ao afimar "As liberdades estão sempre em conflito (...)" e na continuação do raciocínio "(...) são caóticas, o que não significa que elas são prejudiciais.", o que rendeu o nome do filósofo de Direito alemão Robert Alexy, vivo até o presente momento.

"Normas conflitam/Princípios colidem" e "Robert Alexy", da esquerda para a direita.


Este é o post-it interpretei como uma cutucada: quando menciono o Direito ao lado da Igreja, da Medicina e da Escola não estaria me referindo mais especificamente à Lei? Faz todo o sentido que o problema esteja na redação ou na representação (que é o que entendo no momento por Lei). Mantenho o Direito no meu texto, deixando esta questão para mais pessoas mais habilitadas do que eu para tratar da questão: Direito ou Lei? E outra resposta ao texto, na parte "As drogas são más (...)". As drogas ou o tráfico são mal vistos? Eu diria que eles se confundem e são reduzidos ao ponto de serem a mesma coisa, pois um tráfico acaba sendo de drogas, ocasionalmente, e as drogas geram, entre tantas coisas, o tráfico. Acaba não havendo diferença quando se olha de longe, e essa pergunta também não quero responder agora, ela merece a reflexão do leitor. Acredito que meu amigo queira dizer que o problema é o tráfico, não as drogas.
  
"Direito ou Lei?/Drogas ou Tráfico?"












Este amigo cita o medo conservador quando digo "(...) promovem uma guerra desnecessária para parecer que defendem a liberdade comum, caçam esse alvo."



"Lutam uma guerra para fugir de outra/Medo conservador"

 Tudo indica sua aprovação pelo código do joinha representado por (Y). Acima do post-it está escrito "Paulinia, 11 de Outubro de 2015. Alan I. M. Caballero", com Campinas rasurada, pois nunca sei se estou em Campinas ou Paulínia quando estou na casa desse amigo. Enfim, inicialmente escrevi uma carta, só depois que pretendi publicar o conteúdo.
 
"(Y)" ou "Joinha"
 A conversa com esse amigo foi uma das primeiras vezes que pensei seriamente sobre o uso das drogas, antes eu só não me importava com o que as pessoas faziam e como faziam, pois elas são livres para escolherem o que querem fazer com si mesmas, caso contrário deveríamos continuar com os casamentos arranjados; parece ridícula a comparação, mas é porque é isso que parece. A ideia de que escolham por nós o que e como devemos fazer não é de outro mundo, a imagem mais clara e fácil de assimilar é o pedir conselhos: "Briguei com o meu chefe, acho que vou ser demitido, o que eu faço?", "Chamei ele/ela para sair, mas como como eu tenho que agir?", "Eu deveria contar para meus pais que eu fumo maconha?". Os conselhos acabam em roteiros para conquistar um objetivo quando muito específicos, não dando margem para escolha, mas sendo uma resposta precisa do que deve ser feito. A escolha é uma liberdade, quando nos restringimos à essas situações rasas de sim/não, bom/mau, usar/não usar, falar/calar-se e não ampliamos o leque de opções, nos permitimos viver nossa liberdade conforme a liberdade que nos apresentam, as liberdades ofertadas. "Você deveria ir pedir desculpas ao seu chefe!", "Você tem que deixar ele/ela decidir tudo!", "Você vai se encrencar, melhor não contar". Essas situações se invertem quando as respostas são: "Você pode pedir desculpas ao seu chefe", "Talvez você possa deixar ele/ela decidir", "Você pode se encrencar, conte se achar melhor". A decisão deve partir do sujeito e não de um coletivo; o coletivo pode impulsionar a liberdade pela forma como questionam a liberdade do sujeito, que é muito menos corrigindo, punindo e restringindo ao uso da pergunta que leva a dúvida e à autorreflexão. Este meu questionamento não é para os usuários de drogas, e sim para os coletivos que desestimulam as drogas: a sua preocupação com a vida dos diversos usuários (seja do que for) é a sua real preocupação ou a preocupação de outras pessoas? E o mais preocupante: sua preocupação é uma preocupação que vem de alguma coisa, como uma instituição? Por fim: até que ponto falamos o que falamos porque pensamos sobre o que falamos?




 



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Avaliação do Outro



Pelos sentidos, percebemos as pessoas e as coisas que nos rodeiam, pelos símbolos da mente conferimos sentido a essas percepções. Mesmo quando não sabemos dizer exatamente o que gostamos ou o que nos incomoda no outro, é por esse acervo simbólico que somos capazes de dizer como nos sentimos e não apenas o que é sentido por nós. Podemos singelamente chama-las sensações externas e internas.

Alguns poderiam dizer que temos pleno domínio sobre nós mesmos por advento da consciência, tanto das sensações internas quanto das sensações externas. O corpo e a mente combinam seus interesses para agir conscientemente sobre si e sobre o mundo externo. A inconsciência é o maior incômodo para a afirmação de si, é uma dúvida. O inconsciente é a instância psíquica aonde reside não apenas os conflitos, mas onde os velamos para manter nosso ego saudável, nisso recorro à Freud.

Se vivêssemos em conflitos com nós mesmos o tempo todo estaríamos sempre à disposição das pulsões de morte, da figura de Thanatos. O Eros equilibra a vida e traz momentos de paz para nós, por ele não precisamos enfrentar rupções contínuas, nos reconstituímos, tendendo a manter esse estado de ordem. Freud denominou isto de pulsão de vida.

        CANOVA, Antonio.  Eros e Psique. Paris: Museu do Louvre.

Vangloriamo-nos de sermos racionais, ao passo que exigimos o mesmo de outras pessoas, pois a irracionalidade não é recompensada. A racionalidade é uma moralidade, significa entre outras coisas: civilização e cultura. A racionalidade é o Eros, a união dos fios que tecem a ordem. Enquanto a irracionalidade não passa dos impulsos naturais e bárbaros contra os quais lutamos. Thanatos e Eros travam lutas fervorosas em nossas mentes e corpos.
              
O acesso exclusivo ao consciente é uma estratégia mais do que perfeita da psique para manter o equilíbrio de si e evitar o suicídio do indivíduo, evita os niilismos. Lembrando que toda a energia psíquica do consciente é energia provinda do inconsciente. O inconsciente move a psique, inclusive nossas decisões, escolhas, ações, linguagem e memória. Então como pronunciar com tanta certeza “Eu sei o que estou fazendo”?

Representação do inconsciente coletivo. Retirado do Blog Café com Jung .
            
O inconsciente se forma no contato com o mundo, em outras palavras, são as relações exteriores, produtoras de sensações exteriores que são carregadas à psique na forma de pulsões e formam-se símbolos, responsáveis pela criação do significado, pois constrói uma linguagem (Lacan se aproveitou muito bem desta linguagem para desvelar os sonhos), e dá curso às sensações internas. Os sentimentos são formados nessas experiências.
            
Não temos pleno conhecimento de nós mesmos, pois nos falta acesso ao inconsciente. Mas temos acesso ao outro? Se somos seres conscientes, podemos deduzir nos limites da nossa consciência a inconsciência do outro?
            
Em A Natureza da Psique (1916), Jung fala que o consciente é uma adaptação ao agora, ao presente, pois só assim garante a sobrevivência do indivíduo. O inconsciente seria bem mais amplo, guardando em si o passado, o presente e o futuro. Estaria encarregado do que já aconteceu e do que está por acontecer, além de podermos entrelaçar a história e as expectativas nas ações presentes desse indivíduo.
             
Mesmo assim conseguimos nos desprender para outros tempos. Podemos nos lembrar da um acontecimento de nossa infância, da um ano atrás ou da semana passada; temos a capacidade de inventar situações que não aconteceram, fantasiar um futuro. E fazemos isto conscientemente, também. Mesmo a memória ou a fantasia do devir encontram barreiras conscientes, começando pela memória: não lembramos tudo o que queremos, nossa barreira é a atenção que temos ao agora. Quanto ao futuro, é tão nebuloso quanto o passado, é o próximo agora e devemos ter cuidado com as expectativas que criamos sobre os agoras que virão.
             
A final de contas, somos capazes de avaliar situações externas a nós? O inconsciente não permite que nos avaliemos com 100% de certeza, mas ele também nos impede de avaliar o outro? Acredito que não, principalmente pela atenção que temos ao agora desfocar a atenção que queremos no outro. Não temos atenção plena, por isso não entendemos totalmente o outro, mas não significa que não aprendemos nada sobre quem é externo a nós, até porque esse tipo de avaliação é importante para nossa própria segurança em alguns casos: estou em perigo? Posso confiar nessa pessoa? Me sinto bem aqui? Se eu disser isto, como esse outro responderá? Eu gostarei do que ouvirei? E isso passa a ser importante para regular o próprio comportamento numa dada situação.


https://sandrapsicologa.files.wordpress.com/2012/09/mandala2.jpg
 Carl Gustav Jung (1875 - 1961). Retirado do Blog Sandra Psicóloga .



             
             
O trabalho dos psicólogos é charlatanismo? Não, primeiro porque as teorias psicológicas não levam em conta a constituição psíquica do psicólogo, mas de pacientes, grupos, terceiros, sempre pessoas externas ao psicólogo. As diferentes teorias são diferentes tipos de atenção ao momento e ao agora. Segundo porque ela funciona, não a partir de uma única teoria, mas pelo seu conjunto. Ouvi uma psicóloga dizer isto uma vez e achei sensacional: “Não existem psicologias melhores ou piores, existem pacientes com diferentes necessidades”. Para a histeria, a psicanálise encarrega-se muito bem do assunto, enquanto para a esquizofrenia a psicologia analítica tem uma desenvoltura melhor no tratamento. Da mesma forma, as escolas buscam na psicologia do desenvolvimento um olhar sobre o estudante/aluno para a composição do planejamento político pedagógico da escola e a melhor forma de distribuir os conteúdos curriculares nas séries mais adequadas, dispensando a psicanálise e a psicologia analítica.
            
 Existe fundamento nas avaliações que fazemos das coisas, mesmo que parta de um material inconsciente; não estamos falando de uma instância que está lá para pregar peças e nos perturbar à toa, é uma fonte de energia e de defesa. Esta última colocação é muito bem analisada por Ana Freud, são os mecanismos de defesa do ego.
             
Partindo de tudo o que foi dito anteriormente: nossas avaliações podem ter alguma utilidade para o outro?
Retirado do site Love This Pic .



Estamos distantes do outro, como já disse, prestaremos atenção no que percebermos, não em como o outro sente, pois isso seria dizer que temos acesso ao interior de quem avalio. É por não sermos o outro que podemos avaliar muito bem quem somos e significar uma identidade, ao mesmo tempo, o saber que eu não sou o outro me permite algum tipo de avaliação sobre o que o outro é. Podem-se criar afinidades, descompassos ou complementos dessa percepção entre o Eu e o Outro, residindo nesta identificação a precisão entre as semelhanças do Eu contidas no Outro e as disparidades entre os indivíduos que se percebem. Acabo de entrar no campo da alteridade, e saliento como é necessário este processo para que haja a avaliação do outro.
            
Exercitando a alteridade e a rede de conhecimentos a qual ela está atrelada, podemos comunicar ao outro nossas percepções. Desde detalhes públicos, como o que é visível (a vestimenta, a morfologia do corpo, a beleza), até algo mais privado, que são as coisas mais particulares sobre a pessoa ou mesmo invisíveis (estado emocional, humor, disposições). O comportamento também é visível, aliás, é pela negação da existência do inconsciente, por invalidade científica, que a Psicologia Comportamentalista se propõe a estudar esses aspectos visíveis, que são facilmente demonstráveis, como fez Skinner. Jung, em A Natureza da Psique, defende a validade científica do objeto de estudo da psicanálise e da psicologia analítica, afirmando que seu objeto de estudo (o inconsciente) possui sim validade científica, porém, não pertence às Ciências Naturais. Acrescenta também que:


Se o sistema psíquico — que certos pontos de vista modernos pretendem também possuir — se identifica e coincide com a consciência, então, em princípio, estamos em condição de conhecer tudo o que é capaz de ser conhecido, isto é, tudo aquilo que se situa dentro dos limites da teoria do conhecimento. Neste caso, não há motivo para uma inquietação que iria mais longe do que aquela sentida pelos anatomistas e fisiólogos diante da função do olho ou do órgão da audição. Se, porém, se comprova que a psique não coincide com a consciência, mas — o que é muito mais — funciona inconscientemente à semelhança ou diversamente da parte capaz de se tornar consciente, então nossa inquietação deveria crescer, pois, neste caso, não se trata de limites gerais da teoria do conhecimento, mas de um mero limiar da consciência que nos separa dos conteúdos inconscientes da psique. (JUNG, 2000, p.56)

 
O reconhecimento do outro pode dar-se tanto conscientemente quanto inconscientemente, nesses últimos casos ficamos apreensivos, confortáveis, descontraídos, aflitos, incomodados, satisfeitos sem saber explicar o por quê; a identidade que vemos ou percebemos no outro nos afeta, e a partir desse afeto que avaliamos as qualidades do outro, inclusive, nomeamos ações, valores, temperamentos e características do outro que somos capazes de perceber e reagimos ao que se apresenta a nós.
            
Fica sempre mais claro avaliar conscientemente o Outro quando as identidades são semelhantes, possuem pontos que se desenvolvem ou desenvolveram-se de forma parecida, podendo traçar um paralelo entre o seu Eu e o Outro que chega ao seu Eu. Graças ao conhecimento e a memória, pelas avaliações contínuas que realizamos todo momento, já que o inconsciente não descansa e o consciente baixa suas barreiras apenas durante o sono, permitindo a passagem dos conteúdos inconscientes aos sonhos, conhecidos também por imagens oníricas, podemos resgatar avaliações prévias para serem arquétipos, aos quais Jung se refere como formas de apreensão, e todas as vezes que nos deparamos com formas de apreensão que se repetem de maneira uniforme e regular, temos diante de nós um arquétipo, quer reconheçamos ou não o seu caráter mitológico.” (2000, p.38).

MATISSE, Henri. A Dança. Óleo sobre tela. Museu do Ermitage.



Podemos, por correspondência ou intuição, selecionar arquétipos para designar o outro. Cada vez que nos deparamos com estranhezas no outro, trabalhamos a formação de um novo arquétipo. A cultura e a moral são aliadas a construção dos arquétipos, e não defendo aqui, neste momento, arquétipos naturais em todos, mas aproveito os estudos de Jung para perceber na individualidade de cada um a capacidade de, a partir do seu Inconsciente Pessoal, a criação de arquétipos que nos ajudam na tarefa de avaliar o outro e nossas relações, e dessa capacidade não interdito, anulo ou renego a existência dos arquétipos mitológicos contidos no Inconsciente Coletivo. Os arquétipos que provém do acervo simbólico do indivíduo entre seu Eu e o mundo podem ser denominados microarquétipos, são especificações e ramificações dos arquétipos mitológicos com um requinte pessoal do Eu.

Para esses padrões, podemos colori-los com as individualidades do outro, a ponto de não conhecer apenas o que se vê, o que é visível, mas nos arriscarmos em hipóteses de como é seu cotidiano, seus desejos, suas vontades, suas defesas, sendo base para mais hipóteses como: a vida familiar, as relações amorosas, a inteligência interpessoal.
             
A partir do que é visível ou possível ser investigado, pode-se tentar saber o invisível ou o que ainda não foi investigado, colocando sempre em dúvidas a veracidade do fato, as várias enumerações que podem estar erradas, a possibilidade de que não seja exatamente como descrito. Deve-se estar sempre disposto a rever as interpretações que fazemos do outro, por exemplo: quando não conversarmos com alguém por parecer muito bravo, ou ainda, julgar uma pessoa superficial demais pela roupa ou tom de voz.
             
As avaliações quando pronunciadas tem pouco efeito de mudança, a não ser que haja o que Freud denomina de transferência. Trabalhamos o tempo todo para proteger nosso ego da sombra, arquétipo que situa aquela porção inconsciente que escondemos dos outros e de nós mesmos; é difícil admitir que temos sombras, que somos sombrios de alguma forma. Aconteceu-me isto ultimamente: enunciar a sombra de outrem. Houve aceitação por um lado, nos pontos que percebo diretamente e que são visíveis para mim, ainda que de forma oculta no discurso, enquanto as hipóteses, que eram apenas suposições de valor secundário e sujeitas a qualquer tipo de erro pela impossibilidade de comprovação de algum resquício de fala, comportamento, gesto etc., foram invalidadas e serviram de base para a desvalorização da avaliação, por desconhecimento do outro, por tentar adentrar um campo invisível, mais profundo; foi interpretada por esse outro como conhecimentos superficiais.
         Imagem retirada do Blog Curiosidade Estranha, em <http://curiosidadeestranha.com/2015/08/pessoas-das-sombras/>.

A avaliação, ainda mais com um propósito de mudança que se encontra com Thanatos, como tentei, encontra sérias complicações e deve ser evitada, pois é brusca, levanta mecanismos de defesa, irrompe a percepção do Eu que o outro possui sobre si mesmo, carrega um niilismo latente. As hipóteses foram refutadas por superficialidade, estavam, segundo esse outro, erradas e foram repudiadas com hostilidade, como quem diz Fique longe do meu Eu.
             
É incomodo ser exposto, as pessoas estão acostumadas com perguntas sendo dirigidas a elas, não afirmações nuas; é preferível sermos completos desconhecidos para o outro; quem é você para dizer algo sobre mim? Você nem me conhece. As relações de conhecimento, como muitos entendem, supõem primordialmente relações diretas de conhecimento, ou seja, se conheço algo sobre alguém é porque esse alguém se comunicou comigo ou porque o conheci indiretamente por terceiros que têm relações diretas com esse outro. E a comunicação direta consiste sempre na figura da fala, quando na verdade os sentidos são também vias diretas de comunicação. Se percebemos as coisas, podemos conhecê-las.
             
A avaliação do outro tem sentido para quem avalia e até para outros que participam da avaliação do outro, embora a avaliação do outro para esse mesmo outro possa ser uma complicação para seu ego e contribuir como dificuldade para a solução de sua sombra. Quando a avaliação apresenta problemas que não dizem respeito à sombra, possui uma chance de sucesso maior na sua resolução. Mas as avaliações conscientes devem permanecer com os avaliadores para usufruto próprio, as agressões ao ego do outro são menores desta forma.

Se não sabemos conduzir alternativas a péssimos hábitos, melhor um hábito ruim que vários. A péssima condução é muito comum em momentos de instabilidade emocional do avaliador ou do avaliado. Por isso existem os psicólogos, eles são habilitados e conhecem melhor as técnicas de avaliação e como conduzir a recepção da avaliação, bem como a promover a autoavaliação, em alguns casos. O autoconhecimento, na verdade, é a melhor chave para a mudança, pois é um momento que o Eu está exposto apenas para a pessoa que o tem; não deve satisfação para segundos ou terceiros, apenas para si mesmo. Repensa sua própria consciência em seus domínios mentais, não corre o risco de humilhação pública, constrangimento ou depreciação.

Ainda convém intervir no Outro do outro? Haverá todo tipo de situações, cada uma com seu sim ou com o não. Encerro em cores negras e atento para nossas sombras, para as tentativas de se descobrir, autoconhecer-se, equilibrar o Si Mesmo. Mas não sejamos tão neuróticos a ponto de pensar que somos completas sombras.

A Noite Estrelada. V. Van Gogh. 
VAN GOGH, Vicent. A Noite Estrelada (1889).


Referência:
JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 5ª edição. Editora Vozes, Petrópolis, 2000.